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TENDÊNCIAS/DEBATES
Guerra e paz
EMIR SADER
O que efetivamente mudou no
mundo, depois dos atentados de 11
de setembro? Mais além do impacto dos
acontecimentos e da sua multiplicação
pelas imagens universalmente difundidas e reiteradas pela TV, as visões impressionistas podem obscurecer o seu
verdadeiro significado e o que eles mudaram no mundo.
A violência pode estar sendo intensificada em nome de seu combate. Chegou-se, por exemplo, a dizer que esses
acontecimentos seriam mais importantes que a queda do Muro de Berlim, como escreveu o chanceler brasileiro, o
que constitui um erro elementar de avaliação. Na virada dos anos 90, mudou o
período histórico de um mundo bipolar
entre duas superpotências com sistemas sociais diferentes, a um mundo
unipolar, com uma superpotência, a
maior potência capitalista da história.
Esse período continua vigente, não foi
alterado pelos acontecimento do dia 11
de setembro. Os EUA podem até se fortalecer. O que mudou foi a conjuntura
política internacional. Até aquela terça-feira, a iniciativa no plano mundial estava com os movimentos de oposição à
globalização liberal, como os próprios
acontecimentos de Gênova confirmavam. O tema central era a injustiça da
ordem econômica liberal e a responsabilidade tanto dos organismos internacionais responsáveis por ela -FMI,
Banco Mundial, OMC entre outros-
como dos governos das potências capitalistas, corporificadas no G8.
Os atentados de 11 de setembro não
mudaram radicalmente a relação de
forças. O que eles alteraram foi a conjuntura política dentro do período iniciado por volta de 1991, que continua vigente nos seus contornos básicos, a começar pelas injustiças que o movimento
por um outro mundo denuncia. A nova
conjuntura colocou a iniciativa nas
mãos dos EUA e redefiniu a temática
central: a luta contra o terrorismo internacional. Essa luta, por sua vez, nos termos da posição norte-americana, não
opõe guerra e paz, mas paz identificada
com os valores de liberdade e democracia -no sentido norte-americano- e
terrorismo fundamentalista islâmico.
Essa conjuntura pode se prolongar
por muito tempo, porém ela só agravará
a situação internacional agudizada pelos atentados. A situação é fruto da polarização em que a globalização liberal
tenta encerrar a humanidade: a violência da globalização liberal e a globalização da violência. Se ficarmos encerrados nos termos que a hegemonia norte-americana tenta impor ao mundo, esse
será cada vez mais inseguro para todos e
injusto para a grande maioria.
A superação da situação atual só será
possível se desqualificarmos esses termos e recolocarmos a questão da violência, da guerra e do terrorismo nos
seus verdadeiros parâmetros. Trata-se
de lutar contra a guerra, entendendo-a
como o oposto da paz. Lutar contra todas as formas de violência, incluídos os
terrorismos, religiosos ou de Estado.
Trata-se, portanto, em primeiro lugar,
de lutar pela paz, desativando os múltiplos focos de guerra existentes no mundo, dentre os quais a Palestina, a Colômbia, o País Basco, Chiapas, a Irlanda do
Norte e a Caxemira, entre outros.
Até aquela terça-feira, a iniciativa no plano mundial estava com os movimentos de oposição à globalização liberal
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Buscar termos reais de superação justa e duradoura dos conflitos, em que organismos internacionais como a ONU,
o Fórum Social Mundial, organizações
religiosas, sociais e culturais internacionais deveriam desempenhar um papel
ativo central.
Por outro lado, seria necessário lutar
decididamente contra a expansão dos
complexos industrial-militares existentes, para que não somente deixem de
abastecer esses conflitos e governos ansiosos de se armar com essas mercadorias mortíferas como se reciclem esses
recursos para fundos de desenvolvimento para os países mais pobres do
mundo. Além disso, que se combata duramente o comércio clandestino de armamentos, que abastece com armas
modernas os conflitos atuais, fazendo
deles mecanismos de enriquecimento
para essa odiosa indústria de destruição. Para o que seria igualmente necessário terminar definitivamente com os
paraísos fiscais, onde esses recursos são
reciclados.
Somente os que lutam por um outro
mundo possível, os que querem deslocar os termos em que a globalização liberal quer encerrar a humanidade, podem contribuir decididamente para a
paz no mundo. O Fórum Social Mundial de Porto Alegre (31/1 a 5/2/2002) é o
lugar privilegiado para a apresentação
de um plano geral de paz, que inclua os
termos da paz possível nos lugares mencionados para a Palestina e para todos
os outros possíveis, assim como formas
efetivas de combate à indústria bélica,
ao comércio clandestino de armamentos e aos paraísos fiscais.
Um mundo sem guerras é possível,
contanto que não nos deixemos levar
pela apropriação do tema da paz justamente por aqueles que são os principais
responsáveis pelas guerras, pela produção do armamento material e espiritual
do clima belicoso que domina o mundo. Um mundo em paz é possível, contanto que lutemos contra as guerras e
pelo desarmamento material e moral de
todos, com uma ordem mundial que
contemple o interesse de todos, de forma equitativa e duradoura.
Emir Sader, 58, é professor de sociologia da USP
e da Uerj e autor de "Século 20 - uma Biografia
Não-Autorizada" (Perseu Abramo), entre outras
obras.
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