São Paulo, sexta-feira, 08 de outubro de 2004

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JOSÉ SARNEY

Quem é o pai da criança

Os jornais noticiam a morte do cientista Maurice Wilkins, um dos envolvidos na descoberta do DNA e Prêmio Nobel de Medicina de 1962.
A história dessa pesquisa também é cheia de dúvidas. Quem primeiro descobriu as coisas fundamentais do DNA, ao fotografar a hélice da molécula (que depois se soube ser dupla) que hoje é exposta como seu retrato, foi a jovem cientista do King's College Rosalind Franklin. Depois outros entraram na história (Watson, Crick e Wilkins). E, com tanta gente, uns trabalhando aqui, outros acolá, ficou-se sem saber exatamente quem foi o pai ou a mãe do DNA. Assim, o DNA, que popularmente é tido como o método pelo qual se descobre a paternidade de alguém, foi incapaz de desvendar sua própria paternidade.
O professor Wilkins, agora falecido, também foi recrutado para trabalhar no projeto da bomba atômica. O homem que ajudou a desvendar os mecanismos da vida tinha colaborado com um dos métodos mais cruéis de matar. Depois, como sempre acontece, quando o estrago já estava feito, tornou-se pacifista.
A descoberta do DNA, há 50 anos, merece ser tida como a maior descoberta do século passado. Mas o que se descobriu e já se utiliza é infinitesimalmente inferior ao que falta descobrir. É como o mapa do genoma, que é como uma enciclopédia triturada no liquidificador. Falta arrumar as letras em palavras, as palavras em frases, as frases em verbetes.
Agora mesmo estão no Museu Histórico Nacional os manuscritos do mar Morto, descoberta importante para o cristianismo verificar as suas origens. Como os documentos estão muito estragados, é possível ler os textos que são referências bíblicas, mas não se consegue desvendar milhares de fragmentos que não se juntam nem fazem sentido. O que seria o mais interessante -saber o que pensavam os essênios, que praticavam muitos dos ensinamentos de Jesus- não se pode ler.
Nada mais importante para melhorar a qualidade de vida da humanidade que as descobertas científicas, principalmente aquelas que tiveram aplicações médicas. Mas, à proporção que descobrimos coisas, abrimos uma caixa de lenços em que aparece muito mais o que falta descobrir. Um retirado puxa outro e assim não chegamos ao fim. Li outro dia, eu que pensava que a teoria da física pura estivesse consolidada, que ela não explica quase nada e que os séculos futuros vão trazer outra. Galileu, Newton, Einstein e outros monstros sagrados serão substituídos na infinita busca do homem por dominar os saberes. A idéia de Deus fica, assim, cada dia mais forte quando o que se descobre são apenas farrapos do que é preciso descobrir. Remanesce o segredo do que é a vida. Todo evento natural de que ter uma causa. Como começou a vida? O antes?
Pascal foi o primeiro a ver a relatividade, falando do infinitamente pequeno e do infinitamente grande e de como somos incapazes de conhecer o universo material, um nada nas verdadeiras questões do conhecimento.
O DNA foi um grande passo. Já sabemos como se transmitem as informações que dizem como cada ser vivo vai ser. Nós todos já sabemos o que somos: macacos evoluídos. Quem vier à frente vai saber o que será.
O homem, assim, pensa que domina o mundo e o fim do mundo.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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