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JOSÉ SARNEY
Um beco com muitas sem saídas
O tema Alca disputa um dos primeiros lugares na lista das maiores dores de cabeça do governo Lula. É
uma herança para ninguém invejar.
Ela começou com o nosso compromisso na Cúpula das Américas, em
Miami, em 1994, de concretizá-la até
2005. Depois disso, tivemos a reunião
dos ministros de Comércio Exterior
realizada em Belo Horizonte, em 1997,
quando a caixa foi aberta e vimos o tamanho do escorpião que estava dentro dela.
Agora, em Quito, o calendário avançou com o prazo até 2003 para a formalização de nossas ofertas. Estamos
na negociação sem volta. Não negociar seria isolar o Brasil e quebrar nossos compromissos. Lula recebeu o
abacaxi. Resta saber "o que negociar".
É bom recordar que Alca, sigla já incorporada ao cotidiano de nossas reflexões, é simplesmente a Área de Livre Comércio das Américas. O Bush
velho dizia do Alasca à Patagônia. E livre comércio é livre circulação de
bens, com tarifas de importação ZERO. Para chegarmos a essa meta, teremos de atravessar uma série de condicionantes que afetam a política de desenvolvimento que se queira implementar. Qual o interesse do Brasil nesse acordo? Até que ponto ele pode nos
levar a vencer dificuldades ou a enfrentar um grande fracasso? Os americanos sempre tiveram a obsessão de
ocupar mercados. A única e grave divergência entre Roosevelt e Churchill
foi a exigência de que os ingleses, em
troca da ajuda militar sem a qual estariam liquidados, abrissem seus mercados coloniais. Isso parecia tão essencial quanto o tema da liberdade ameaçada pelos nazistas.
Os Estados Unidos, o país mais
competitivo do mundo, mantêm a
cruzada. Agora reforçados pela doutrina neoliberal. Livre comércio é a
"big word". O Brasil é o 12º mercado
para as exportações americanas (US$
15,9 bilhões) no mundo. Primeiro na
América Latina -depois do México,
já atrelado pelo Nafta-, seguido de
longe pela Venezuela. Assim, falar de
Alca é falar de Brasil.
Acontece que as assimetrias de nossas economias -americana e brasileira- certamente apontam para um
horizonte que nos é desfavorável.
Nosso sedutor mercado de 170 milhões de habitantes não é nada desprezível. Os americanos com sua força
querem abrir, mas não se abrem. O
"Farm Bill" assegura total proteção a
sua agricultura, único setor em que
poderíamos concorrer, sem falar das
barreiras não-tarifárias (sanitárias,
proteção ambiental, direitos humanos), que eles usam de forma arbitrária.
Nossa agenda para negociação tem
de, com clareza, delimitar o universo
de compras governamentais, investimentos, agricultura, serviços e propriedade intelectual a negociar. Não
podemos aceitar a lógica dos americanos de não discutir sua legislação antidumping e sua política de subsídios e
cotas.
Outra face do nosso "abacaxi" Alca é
a coesão com nossos vizinhos, que podem ser usados para pressões e nos levar a uma posição extrema de "aceitar
ou cair fora". Não podemos deixar de
considerar a Comunidade Européia,
que tem 25% de nosso comércio exterior. Não sabemos como as nossas
empresas vão comportar-se num regime fora de gravames tarifários. Qual a
sem saída? Propor aos americanos, já
que eles querem tanto (!), a integração
americana em vez da Alca, mercado
comum, modelo europeu, eles bancando os recursos compensatórios
para que todos possam competir. Disso, eles fogem como o diabo da cruz.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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