São Paulo, sexta-feira, 08 de novembro de 2002

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JOSÉ SARNEY

Um beco com muitas sem saídas

O tema Alca disputa um dos primeiros lugares na lista das maiores dores de cabeça do governo Lula. É uma herança para ninguém invejar. Ela começou com o nosso compromisso na Cúpula das Américas, em Miami, em 1994, de concretizá-la até 2005. Depois disso, tivemos a reunião dos ministros de Comércio Exterior realizada em Belo Horizonte, em 1997, quando a caixa foi aberta e vimos o tamanho do escorpião que estava dentro dela.
Agora, em Quito, o calendário avançou com o prazo até 2003 para a formalização de nossas ofertas. Estamos na negociação sem volta. Não negociar seria isolar o Brasil e quebrar nossos compromissos. Lula recebeu o abacaxi. Resta saber "o que negociar".
É bom recordar que Alca, sigla já incorporada ao cotidiano de nossas reflexões, é simplesmente a Área de Livre Comércio das Américas. O Bush velho dizia do Alasca à Patagônia. E livre comércio é livre circulação de bens, com tarifas de importação ZERO. Para chegarmos a essa meta, teremos de atravessar uma série de condicionantes que afetam a política de desenvolvimento que se queira implementar. Qual o interesse do Brasil nesse acordo? Até que ponto ele pode nos levar a vencer dificuldades ou a enfrentar um grande fracasso? Os americanos sempre tiveram a obsessão de ocupar mercados. A única e grave divergência entre Roosevelt e Churchill foi a exigência de que os ingleses, em troca da ajuda militar sem a qual estariam liquidados, abrissem seus mercados coloniais. Isso parecia tão essencial quanto o tema da liberdade ameaçada pelos nazistas.
Os Estados Unidos, o país mais competitivo do mundo, mantêm a cruzada. Agora reforçados pela doutrina neoliberal. Livre comércio é a "big word". O Brasil é o 12º mercado para as exportações americanas (US$ 15,9 bilhões) no mundo. Primeiro na América Latina -depois do México, já atrelado pelo Nafta-, seguido de longe pela Venezuela. Assim, falar de Alca é falar de Brasil.
Acontece que as assimetrias de nossas economias -americana e brasileira- certamente apontam para um horizonte que nos é desfavorável. Nosso sedutor mercado de 170 milhões de habitantes não é nada desprezível. Os americanos com sua força querem abrir, mas não se abrem. O "Farm Bill" assegura total proteção a sua agricultura, único setor em que poderíamos concorrer, sem falar das barreiras não-tarifárias (sanitárias, proteção ambiental, direitos humanos), que eles usam de forma arbitrária.
Nossa agenda para negociação tem de, com clareza, delimitar o universo de compras governamentais, investimentos, agricultura, serviços e propriedade intelectual a negociar. Não podemos aceitar a lógica dos americanos de não discutir sua legislação antidumping e sua política de subsídios e cotas.
Outra face do nosso "abacaxi" Alca é a coesão com nossos vizinhos, que podem ser usados para pressões e nos levar a uma posição extrema de "aceitar ou cair fora". Não podemos deixar de considerar a Comunidade Européia, que tem 25% de nosso comércio exterior. Não sabemos como as nossas empresas vão comportar-se num regime fora de gravames tarifários. Qual a sem saída? Propor aos americanos, já que eles querem tanto (!), a integração americana em vez da Alca, mercado comum, modelo europeu, eles bancando os recursos compensatórios para que todos possam competir. Disso, eles fogem como o diabo da cruz.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.

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