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São Paulo, sábado, 08 de novembro de 2003

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Gafes

SÃO PAULO - Vista como uma de suas qualidades -ou traço simpático que o distingue da galeria de ex-presidentes-, a espontaneidade de Lula acaba de lhe criar -e ao país- um grande constrangimento. "Quem chega a Windhoek não parece estar num país africano", disse o presidente, ao externar sua surpresa com a limpeza da capital da Namíbia. Um desastre retórico para quem é visto no exterior como esperança de uma "nova esquerda" e tem procurado espanar o pó do discurso terceiro-mundista para assumi-lo em novas bases.
A gafe deixa uma nódoa na viagem à África e, por extensão, sobre a política externa do lulismo, uma das poucas, senão a única área em que seu governo ainda guarda alguma identidade com as aspirações da esquerda -a mesma esquerda, diga-se, que recentemente preferiu calar diante da omissão pública de Lula em relação ao "paredón" de Fidel, quando esteve em Cuba. Franceses e ONGs européias então protestaram por nós na defesa da democracia e dos direitos humanos. Um vexame.
A gafe de ontem, provavelmente a mais embaraçosa para um presidente que já as coleciona, ao menos contribui para formar uma imagem internacional e mesmo doméstica de Lula menos idealizada e certamente mais próxima do que ele de fato é.
O preconceito feroz de que Lula foi vítima durante décadas sofreu nas últimas eleições uma viravolta e sobrevive hoje com sinais trocados, como se sua biografia o tornasse muito pouco suscetível de ser criticado.
Como os atos falhos -manifestações involuntárias de conteúdos mentais recalcados-, o preconceito não é em geral algo que se supera, mas, sim, que se reprime. Lula pode, portanto, ser de novo vítima do que Freud chamou de "retorno do reprimido" quando, quem sabe, se perceber que seu governo -e não suas palavras- é ou foi uma imensa gafe.
 
Da "herança maldita" de FHC, o que o PT de fato herdou até aqui é a célebre frase: "Esqueçam o que escrevi".


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