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TENDÊNCIAS/DEBATES
Justiça para quem precisa
ROBERTO FREIRE
Sempre que se busca dar cidadania aos mais pobres, o que é o caso da PEC da Defensoria Pública, há oposição de certos políticos
UM DOS direitos mais básicos
da cidadania é o acesso à Justiça. É um direito fundamental,
alçado à condição de cláusula pétrea
pelo constituinte de 1988. A própria
Constituição traz os instrumentos
garantidores do seu exercício, como a
impossibilidade de excluir da apreciação do Judiciário qualquer lesão
ou ameaça a direito, a proteção da
ampla defesa e do contraditório nos
processos em geral e o dever estatal
de prover a assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados.
No último dia 5, o deputado federal
José Carlos Aleluia (DEM-BA) publicou artigo neste espaço ("Um poder
inconveniente") atacando proposta
de emenda constitucional de minha
autoria que tem por objetivo o fortalecimento de uma instituição criada
com a Constituição de 1988 e destinada a assegurar uma Justiça mais democrática, acessível aos cidadãos que
não podem pagar um advogado.
Alega o deputado que da autonomia
da Defensoria Pública nasceria um
poder todo-poderoso. Ele questiona
também os custos para a implementação do modelo previsto na PEC.
A primeira colocação é absurda,
pois o que se pretende é dar garantias
ao defensor público para que ele demande, inclusive contra o Estado,
sem sofrer perseguições.
A segunda questão, por atentatória
a um preceito tão fundamental quanto a saúde e a educação -as quais ele
cita-, não pode passar como verdade.
Tenho certeza de que a implantação
de uma Defensoria Pública autônoma
e independente não vai quebrar a República, mas se dará no sentido de revesti-la de capilaridade, assegurando
a difusão da cidadania.
Atualmente, segundo o Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil,
publicado em 2006 pelo Ministério
da Justiça, em média, menos de 40%
das comarcas do país contam com o
atendimento da população carente
por defensores públicos. Isso significa que, na maior parte das cidades
brasileiras, quem não tem condições
financeiras para contratar um advogado está abandonado à própria sorte.
Atualmente, a expansão dos serviços da instituição depende exclusivamente do chefe do Poder Executivo,
única autoridade que pode submeter
ao crivo do Poder Legislativo medidas
voltadas à necessária ampliação da
malha de cobertura do atendimento
jurídico aos carentes.
Quando defende o cidadão carente,
a Defensoria Pública faz aquilo que o
Ministério Público faz de forma difusa. Dar-lhe capilaridade e autonomia
não significa criar um novo poder,
mas fortalecer o sistema de freios e
contrapesos que caracteriza a democracia e que compõe o necessário
equilíbrio entre as funções estatais.
Ao contrário do que aduz Aleluia
em seu artigo, a PEC 487 não confere
uma hipertrofia de atribuições a essa
instituição, mas busca sanar a hipotrofia de instrumentos voltados exclusivamente à população carente,
numa tentativa de superar, pelo menos no que diz respeito ao acesso à
Justiça, o fosso que separa pobres e
ricos diante da estátua vendada da
deusa Têmis.
Sempre que se busca dar cidadania
aos brasileiros mais pobres, o que é o
caso da PEC da Defensoria Pública,
encontra-se a oposição daqueles vinculados a partidos colocados mais à
direita no espectro político e também
ligados ao atual governo.
Não é difícil entender a motivação
de quem espera que a população carente fique à mercê da vontade dos
políticos quando necessita dos serviços do aparelho do Estado. Assim, na
condição de pedintes, os mais pobres
terão de estar sempre agradecidos aos
"benfeitores" que se interpuserem
entre o direito que lhes está garantido
na Carta Magna e o atendimento das
suas necessidades. É uma forma antiga e repugnante de produzir votos, a
qual deve merecer de todos nós absoluta condenação.
A Defensoria Pública deve estar estruturada em todas as unidades da
Federação -uma medida necessária
à concretização do amplo acesso à
Justiça. A alteração pretendida pela
proposta de emenda constitucional
atende aos excluídos do serviço judiciário, condição iníqua que deve envergonhar cada brasileiro deste país.
O fato de milhões de brasileiros estarem sem cidadania não beneficia
senão os políticos espertalhões que
querem substituí-la por bolsas, que
nada mais são que uma espécie de
esmola. Negar cidadania é golpear a
democracia.
A célebre frase de Ovídio "cura pauperibus clausa est" (o tribunal está fechado para os pobres) é uma lamentável realidade. É preciso acabar com a
vergonhosa noção de que a Justiça é
um valor acessível só para os que podem pagar, o que poderá ser modificado com o fortalecimento da Defensoria Pública.
ROBERTO JOÃO PEREIRA FREIRE, 65, advogado, é presidente nacional do PPS. Foi deputado federal e senador
da República pelo PPS-PE.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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