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Energia: mesmo fruto
PAULO LUDMER
A deficiente inteligência estratégica do governo impôs a todos uma geração de energia suja
e cada vez mais cara
NO INÍCIO da primeira gestão
de Lula, às cadeias de rádio
afirmei que o PT provaria o
fruto que derrotara eleitoralmente o
PSDB: a crise de energia.
Pode chover muito neste verão. O
tabuleiro estrutural não se alterará,
pois ele vem se configurando há anos.
Hoje se raciona gás natural, insumo
insuficiente para todos os consumidores. O racionamento é branco, sem
regras, sem comandos jurídicos específicos. Portanto, contencioso.
Durante o governo Lula, o contingenciamento ocorreu na Bahia, onde
a Petrobras entregava, por critérios
próprios, o gás aqui ou acolá, desregrada, descontratada. Pior: no Brasil,
o consumidor segue pagando o preço
do gás firme que, na verdade, é interrompível, portanto, comercialmente
mais barato.
Os ofertantes de gás não permitiram a criação de um mercado secundário de gás regulado, no qual as sobras seriam vendidas pelo preço real.
Aliás, denegriram os consumidores livres em energia elétrica sugerindo
que realizavam "games". Ledo engano: nenhuma indústria faz contratos
de venda sem previsibilidade nos custos. No mercado livre, suas compras
de energia são contratadas no mínimo entre dois e cinco anos.
Explico: as termelétricas mantêm
contratos de lastros de gás para queimar em suas operações. São milhões
de metros cúbicos de gás por dia disponíveis a qualquer tempo para elas.
Porém, na maior parte do ano, desligadas as térmicas, esse mesmo gás é
vendido uma segunda vez para o mercado como se fosse firme. Basta que as
térmicas precisem do produto e a insuficiência se escancara.
Agora ruiu o discurso triunfal do
governo, de que está tudo bem, atingindo indústrias e centenas de milhares de eleitores que conduzem veículos convertidos irracionalmente para
o gás. Automóvel é o pior uso, na escassez, porque dispõe de sucedâneos,
enquanto cortes em fábricas implicam dramas incontornáveis.
No cenário, convém denotar que: 1)
O racionamento de energia elétrica
(que o gás evitaria) não acabou em
2002. Ele prossegue via alta no preço
final da energia elétrica, dentro do
qual 50% são encargos e tributos pagos ao governo. 2) a Fundação Getulio
Vargas já mediu, a partir da alta da
energia, a queda do nível dos empregos; a contenção do crescimento da
economia; a renúncia a investimentos; o desabamento da competitividade e do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) no Brasil. 3) Os
energéticos se relacionam por vasos
comunicantes. O episódio do gás é sistêmico, e não isolado. 4) Se o risco de
déficit vinha crescendo enquanto a
escassez física da energia não se explicitava, foi porque a deficiente inteligência estratégica do governo impôs a
todos uma geração de energia suja e
cada vez mais cara. De novo vão reajustar o gás.
A falência da gestão se sentenciou
quando usinas térmicas a óleo combustível, opção abandonada nos anos
60 do século passado, sobrepujou hidrelétricas em certames de oferta de
energia nova. Para isso serve o planejamento determinativo? Podemos
rasgar o Protocolo de Kyoto e esquecer o drama do aquecimento global?
Mesmo que chova (as térmicas são
ligadas na estiagem, para que as hidrelétricas guardem água nos lagos),o
estrago está feito, pelos seguintes
pontos:
a) Parte da base da cadeia produtiva
se sentiu incapaz de pagar os atuais
preços da energia no Brasil. Investiu
no exterior. Tentou autoproduzir
energia elétrica para uso próprio e foi
impedida por regramentos adversos.
Entre eles, abusos de ambientalistas,
que esterilizaram futuras centrais hidráulicas e agora amargarão chuvas
ácidas e emissões de gás carbônico.
b) O excesso de encargos e tributos
transformou o setor energético numa
coletoria. Energia é tributada no Brasil como perfume, álcool e tabaco.
Agora, o mapa político impede a reversão dessa arrecadação. Quem recebe esse dinheiro já gastou e se endividou por conta.
c) Antes de uma usina hidrelétrica
entrar em operação no Brasil, deve
pagar cerca de 40% do valor total da
obra em encargos e tributos.
d) O transporte da energia no Brasil
está mais caro do que a geração (na
qual estão 70% dos investimentos).
e) O óleo combustível, ilustrativamente, custa aqui mais que o petróleo
cru (é como se o osso valesse mais que
a vaca, e o bagaço, mais que a laranja),
conseqüência do monopólio de fato.
f) O uso do setor energético para
distribuição de renda vampirizou as
atividades produtivas, forçando consumidores a substituir os erários públicos.
PAULO LUDMER, 63, jornalista e engenheiro, é consultor,
professor da Faap e convidado do Mackenzie, da FEI e da
Poli-USP e escritor. Foi diretor-executivo da Abrace (Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais
de Energia) de 1986 a 2006.
www.pauloludmer.com.br
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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