São Paulo, quinta-feira, 08 de novembro de 2007

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Energia: mesmo fruto

PAULO LUDMER

A deficiente inteligência estratégica do governo impôs a todos uma geração de energia suja e cada vez mais cara

NO INÍCIO da primeira gestão de Lula, às cadeias de rádio afirmei que o PT provaria o fruto que derrotara eleitoralmente o PSDB: a crise de energia.
Pode chover muito neste verão. O tabuleiro estrutural não se alterará, pois ele vem se configurando há anos.
Hoje se raciona gás natural, insumo insuficiente para todos os consumidores. O racionamento é branco, sem regras, sem comandos jurídicos específicos. Portanto, contencioso.
Durante o governo Lula, o contingenciamento ocorreu na Bahia, onde a Petrobras entregava, por critérios próprios, o gás aqui ou acolá, desregrada, descontratada. Pior: no Brasil, o consumidor segue pagando o preço do gás firme que, na verdade, é interrompível, portanto, comercialmente mais barato.
Os ofertantes de gás não permitiram a criação de um mercado secundário de gás regulado, no qual as sobras seriam vendidas pelo preço real.
Aliás, denegriram os consumidores livres em energia elétrica sugerindo que realizavam "games". Ledo engano: nenhuma indústria faz contratos de venda sem previsibilidade nos custos. No mercado livre, suas compras de energia são contratadas no mínimo entre dois e cinco anos.
Explico: as termelétricas mantêm contratos de lastros de gás para queimar em suas operações. São milhões de metros cúbicos de gás por dia disponíveis a qualquer tempo para elas.
Porém, na maior parte do ano, desligadas as térmicas, esse mesmo gás é vendido uma segunda vez para o mercado como se fosse firme. Basta que as térmicas precisem do produto e a insuficiência se escancara.
Agora ruiu o discurso triunfal do governo, de que está tudo bem, atingindo indústrias e centenas de milhares de eleitores que conduzem veículos convertidos irracionalmente para o gás. Automóvel é o pior uso, na escassez, porque dispõe de sucedâneos, enquanto cortes em fábricas implicam dramas incontornáveis.
No cenário, convém denotar que: 1) O racionamento de energia elétrica (que o gás evitaria) não acabou em 2002. Ele prossegue via alta no preço final da energia elétrica, dentro do qual 50% são encargos e tributos pagos ao governo. 2) a Fundação Getulio Vargas já mediu, a partir da alta da energia, a queda do nível dos empregos; a contenção do crescimento da economia; a renúncia a investimentos; o desabamento da competitividade e do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) no Brasil. 3) Os energéticos se relacionam por vasos comunicantes. O episódio do gás é sistêmico, e não isolado. 4) Se o risco de déficit vinha crescendo enquanto a escassez física da energia não se explicitava, foi porque a deficiente inteligência estratégica do governo impôs a todos uma geração de energia suja e cada vez mais cara. De novo vão reajustar o gás.
A falência da gestão se sentenciou quando usinas térmicas a óleo combustível, opção abandonada nos anos 60 do século passado, sobrepujou hidrelétricas em certames de oferta de energia nova. Para isso serve o planejamento determinativo? Podemos rasgar o Protocolo de Kyoto e esquecer o drama do aquecimento global?
Mesmo que chova (as térmicas são ligadas na estiagem, para que as hidrelétricas guardem água nos lagos),o estrago está feito, pelos seguintes pontos:
a) Parte da base da cadeia produtiva se sentiu incapaz de pagar os atuais preços da energia no Brasil. Investiu no exterior. Tentou autoproduzir energia elétrica para uso próprio e foi impedida por regramentos adversos. Entre eles, abusos de ambientalistas, que esterilizaram futuras centrais hidráulicas e agora amargarão chuvas ácidas e emissões de gás carbônico.
b) O excesso de encargos e tributos transformou o setor energético numa coletoria. Energia é tributada no Brasil como perfume, álcool e tabaco. Agora, o mapa político impede a reversão dessa arrecadação. Quem recebe esse dinheiro já gastou e se endividou por conta.
c) Antes de uma usina hidrelétrica entrar em operação no Brasil, deve pagar cerca de 40% do valor total da obra em encargos e tributos.
d) O transporte da energia no Brasil está mais caro do que a geração (na qual estão 70% dos investimentos). e) O óleo combustível, ilustrativamente, custa aqui mais que o petróleo cru (é como se o osso valesse mais que a vaca, e o bagaço, mais que a laranja), conseqüência do monopólio de fato.
f) O uso do setor energético para distribuição de renda vampirizou as atividades produtivas, forçando consumidores a substituir os erários públicos.


PAULO LUDMER, 63, jornalista e engenheiro, é consultor, professor da Faap e convidado do Mackenzie, da FEI e da Poli-USP e escritor. Foi diretor-executivo da Abrace (Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia) de 1986 a 2006.

www.pauloludmer.com.br

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