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TENDÊNCIAS/DEBATES
Estratégia educacional brasileira
RUDÁ RICCI
Assim, parece ser a hora de repensarmos toda a
porta de saída do ensino regular e o ingresso no mundo do trabalho
COM A criação da USP, em 1934,
nascia um pensamento científico com vocação ao poder político. Essa vocação do mundo universitário cresceu, atingiu cargos de elaboração governamental, gerou referências para a esquerda. Mas, nos anos
90, houve uma acelerada e radical inversão da realidade universitária.
Ao redor de 80% das vagas se concentraram em faculdades particulares, dado o "boom" de abertura de
universidades privadas no interior do
país. Houve avanços: as vagas noturnas das particulares interiorizaram o
estudo universitário e abriram oportunidades a mulheres e trabalhadores. Mas o crescimento foi desordenado e provocou a queda da qualidade.
A "Geografia da Educação" (MEC)
revelou que as faculdades particulares do país possuem o dobro de alunos por sala que as públicas, menos
doutores e um ínfimo número de docentes com dedicação exclusiva. Há
uma impressão generalizada de que
houve muita ingerência política na
abertura de cursos.
Marilena Chaui, num dos encontros da Anped (maior encontro nacional de educação), lamentava a transformação da universidade brasileira
de instituição em organização. Explicava que uma instituição se volta para
a sociedade, e a organização, para si
mesma, voltada para sua sobrevivência e seu crescimento.
Agora, ficamos sabendo pelo censo
da educação superior que o número
de formados em universidades públicas caiu 9,5% nos últimos dois anos. O
problema é mais grave na medida em
que se sabe que as faculdades do interior brasileiro enfrentam grandes dificuldades desde 2005.
A inadimplência chega à média de
40% (caso de São Paulo, Estado mais
rico do país). A concorrência entre
pequenas faculdades chega às raias do
desespero. O ataque ao ensino médio
é cada vez maior e, muitas vezes, obriga uma faculdade a se conveniar com
uma rede de ensino médio para obter
a fidelização do futuro universitário.
Caem as matrículas no ensino médio (1,5% entre 2004 e 2005 e 1,4%
entre 2005 e 2006) e aumenta a procura pela modalidade EJA-médio
(educação de jovens e adultos-ensino
médio) em 10% entre 2005 e 2006,
motivada pela oferta de postos de trabalho. Projeta-se para 2008 a criação
de 2,5 milhões de novos empregos.
Assim, parece ser a hora de repensarmos toda a porta de saída do ensino regular e o ingresso no mundo do
trabalho. O Brasil possui uma cultura
de valorização do título universitário
para ingresso e evolução no mercado
de trabalho. Mas a proliferação de vagas nas faculdades particulares banalizou o ensino acadêmico.
É de questionar, portanto, os motivos para não transformarmos o ensino médio e a EJA em modalidades
próprias, e não "ritos de passagem".
No caso do ensino médio regular,
trata-se de passagem para o mundo
universitário. No caso da EJA, de certificação para postos de trabalho, normalmente semiqualificados.
Qual seria o motivo para não transformar, como ocorre na Europa (sul
da Alemanha, em especial), o ensino
médio e a EJA em modalidades específicas, de alto padrão de qualidade,
para formação de quadros técnicos
totalmente direcionados para a vocação regional do mercado de trabalho?
Haverá, possivelmente, nos próximos anos, um movimento de oligopolização do ensino universitário privado do país. Em alguns casos, grupos
econômicos mais agressivos e com
menor vocação educacional avançarão o sinal para fazer um bom negócio
a partir da crise cada vez mais profunda de pequenas instituições acadêmicas. A luta pela sobrevivência será
mais aguda e é necessário redirecioná-la para que não se torne selvagem.
Um acordo nacional estratégico da
educação brasileira precisa ser firmado para definir as identidades de cada
segmento do ensino brasileiro, sua
vocação e seu foco de atuação, assim
como os vasos comunicantes entre
eles, por meio de programas de extensão definidos não como marketing
institucional, mas como projeto de
desenvolvimento do país.
Afinal, continuaremos com os velhos rituais de passagem, que limitam
o ensino médio e a EJA às técnicas de
memorização de fatos e informações
a serem descarregados nos exames de
seleção à universidade ou reproduzidos em atividades repetitivas de postos de trabalho constantemente
ameaçados pelas novas tecnologias
ou subemprego?
Um dia, Florestan Fernandes perguntou-se a respeito do objetivo do
ensino universitário, seu papel social
para o país. O mundo acadêmico se limitou a tal ponto que não temos mais
nenhum acadêmico que se faça a
mesma pergunta.
RUDÁ RICCI, 45, sociólogo, mestre em ciências políticas e
doutor em ciências sociais, é membro da Executiva Nacional do Fórum Brasil de Orçamento e do Observatório Internacional da Democracia Participativa. É autor, entre
outras obras, de "Terra de Ninguém".
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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