São Paulo, Terça-feira, 09 de Fevereiro de 1999
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O grande Braga

CARLOS HEITOR CONY


Rio de Janeiro - Jovem repórter me telefona, diz que está organizando uma dessas listas para saber qual foi o maior artista do século, do milênio, não sei se do primeiro ou do segundo. Informa que o mais votado até aquele momento é Vinícius de Moraes -e dou-lhe a minha bênção.
Só não pude dar todas as informações pedidas, pois a moça queria saber se eu tinha o telefone do Fernando Sabino e do Rubem Braga. Com prazer, dei-lhe o telefone do Sabino. Lamentei não fazer o mesmo com o velho Braga. Se ele estivesse enterrado em algum lugar, poderia indicar o cemitério, que deve ter telefone, nem sei exatamente para quê.
Mas o Braga quis ser cremado, e, apesar dos avanços da telefonia, ficaria um bocado difícil falar com ele. O importante, no caso, é que o nosso sabiá, por meio de seus livros, pode continuar falando com a gente naquele tom de ""velho Braga" que tanto gostava de usar.
Contudo ele não é mais o velho Braga, mas o grande Braga. Creio que poucos artistas tiveram essa glória, a de ser procurado depois de morto. Um dos problemas de quem vive além da conta é justamente esse: o de espantar os outros com a sobrevida.
Thomas Mann lamentava ter vivido mais do que sua obra. Achava que deveria ter morrido logo após a publicação de ""Doutor Fausto". Nelson Rodrigues ficou pasmo quando descobriu que Marques Rebêlo ainda estava vivo e escrevia todos os dias no mesmo jornal, duas páginas antes da sua.
Maldade à parte, volta e meia tenho também as minhas surpresas. Mas como? Não fui ao enterro de fulano? Não lhe escrevi o necrológio? Tenho a certeza de ter ido duas vezes ao enterro de um ensaísta dos anos 60. O que ele andou fazendo entre os dois eventos, francamente, fica além da imaginação.
Graças a Deus, não é o caso do querido Braga. Ele continua vivo. E é uma pena que eu não saiba o seu telefone.


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