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O grande Braga
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Jovem repórter me
telefona, diz que está organizando
uma dessas listas para saber qual foi o
maior artista do século, do milênio,
não sei se do primeiro ou do segundo.
Informa que o mais votado até aquele
momento é Vinícius de Moraes -e
dou-lhe a minha bênção.
Só não pude dar todas as informações pedidas, pois a moça queria saber
se eu tinha o telefone do Fernando Sabino e do Rubem Braga. Com prazer,
dei-lhe o telefone do Sabino. Lamentei
não fazer o mesmo com o velho Braga.
Se ele estivesse enterrado em algum
lugar, poderia indicar o cemitério, que
deve ter telefone, nem sei exatamente
para quê.
Mas o Braga quis ser cremado, e,
apesar dos avanços da telefonia, ficaria um bocado difícil falar com ele. O
importante, no caso, é que o nosso sabiá, por meio de seus livros, pode continuar falando com a gente naquele
tom de ""velho Braga" que tanto gostava de usar.
Contudo ele não é mais o velho Braga, mas o grande Braga. Creio que
poucos artistas tiveram essa glória, a
de ser procurado depois de morto. Um
dos problemas de quem vive além da
conta é justamente esse: o de espantar
os outros com a sobrevida.
Thomas Mann lamentava ter vivido
mais do que sua obra. Achava que deveria ter morrido logo após a publicação de ""Doutor Fausto". Nelson Rodrigues ficou pasmo quando descobriu
que Marques Rebêlo ainda estava vivo
e escrevia todos os dias no mesmo jornal, duas páginas antes da sua.
Maldade à parte, volta e meia tenho
também as minhas surpresas. Mas como? Não fui ao enterro de fulano? Não
lhe escrevi o necrológio? Tenho a certeza de ter ido duas vezes ao enterro
de um ensaísta dos anos 60. O que ele
andou fazendo entre os dois eventos,
francamente, fica além da imaginação.
Graças a Deus, não é o caso do querido Braga. Ele continua vivo. E é uma
pena que eu não saiba o seu telefone.
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