São Paulo, Terça-feira, 09 de Março de 1999
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MOEDA POLITIZADA

Diz-se de toda personalidade apaixonada que é também contraditória. O ex-presidente do BC Gustavo Franco confirma essa regra.
Em sua despedida, ele tenta outra vez desqualificar críticos e denunciar uma suposta torcida pela inflação.
Paradoxalmente, ao final de seu longo discurso, ele mesmo admite que "se formos bem-sucedidos em reduzir os impactos inflacionários das mudanças na política cambial é possível que, ao final de 1999, tenhamos uma desvalorização cambial real" superior à que ocorreria no regime anterior. Mas, completa, "para isso será necessária extrema firmeza e também muita sabedoria da parte da nova equipe do BC".
Resta saber por que o próprio Franco não se considerou, ao longo desses anos, à altura de corrigir o câmbio e caminhar rumo a juros menos escorchantes, usando firmeza e sabedoria para evitar, sob condições externas bem menos asfixiantes, os riscos de descontrole inflacionário que ele próprio crê, agora, evitáveis.
As respostas estão em seu discurso. Franco nunca viu como legítima a discussão sobre possíveis erros na política de juros e câmbio. E ele mesmo se justifica de modo curioso: não houve erro, pois a sociedade aprovou tal política, elegendo e depois reelegendo o presidente da República. Só derrotados e ressentidos, à esquerda e à direita, teriam insistido na denúncia dos riscos da âncora cambial.
Franco dá ainda outra razão, que decorre dessa justificação política do câmbio valorizado com juros estratosféricos: "Afinal a política cambial nunca foi minha, mas uma política de governo, e como não há certezas nesse domínio, teríamos de tomar uma decisão, no mais alto nível, sobre como proceder".
Essa frase é decisiva. Aplica-se tanto à decisão de abandonar a âncora cambial quanto à de mantê-la; e elas não foram só de Gustavo Franco.
Foi uma opção do presidente FHC: primeiro, porque o "real que vale mais que o dólar" servia como bandeira de campanha em 1994, depois, porque apresentar-se como o campeão da estabilidade, em 1998, era um eixo da campanha da reeleição.
Fica assim abalada outra tese de Franco, a de que o Brasil avançou rumo à "despolitização da moeda".
Franco se despede cheio de contradições. Mas nunca elas evidenciaram, como ontem, a natureza política da âncora cambial.


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