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MOEDA POLITIZADA
Diz-se de toda personalidade apaixonada que é também contraditória.
O ex-presidente do BC Gustavo Franco confirma essa regra.
Em sua despedida, ele tenta outra
vez desqualificar críticos e denunciar
uma suposta torcida pela inflação.
Paradoxalmente, ao final de seu
longo discurso, ele mesmo admite
que "se formos bem-sucedidos em
reduzir os impactos inflacionários
das mudanças na política cambial é
possível que, ao final de 1999, tenhamos uma desvalorização cambial
real" superior à que ocorreria no regime anterior. Mas, completa, "para
isso será necessária extrema firmeza
e também muita sabedoria da parte
da nova equipe do BC".
Resta saber por que o próprio Franco não se considerou, ao longo desses anos, à altura de corrigir o câmbio e caminhar rumo a juros menos
escorchantes, usando firmeza e sabedoria para evitar, sob condições
externas bem menos asfixiantes, os
riscos de descontrole inflacionário
que ele próprio crê, agora, evitáveis.
As respostas estão em seu discurso.
Franco nunca viu como legítima a
discussão sobre possíveis erros na
política de juros e câmbio. E ele mesmo se justifica de modo curioso: não
houve erro, pois a sociedade aprovou
tal política, elegendo e depois reelegendo o presidente da República. Só
derrotados e ressentidos, à esquerda
e à direita, teriam insistido na denúncia dos riscos da âncora cambial.
Franco dá ainda outra razão, que
decorre dessa justificação política do
câmbio valorizado com juros estratosféricos: "Afinal a política cambial
nunca foi minha, mas uma política
de governo, e como não há certezas
nesse domínio, teríamos de tomar
uma decisão, no mais alto nível, sobre como proceder".
Essa frase é decisiva. Aplica-se tanto à decisão de abandonar a âncora
cambial quanto à de mantê-la; e elas
não foram só de Gustavo Franco.
Foi uma opção do presidente FHC:
primeiro, porque o "real que vale
mais que o dólar" servia como bandeira de campanha em 1994, depois,
porque apresentar-se como o campeão da estabilidade, em 1998, era
um eixo da campanha da reeleição.
Fica assim abalada outra tese de
Franco, a de que o Brasil avançou rumo à "despolitização da moeda".
Franco se despede cheio de contradições. Mas nunca elas evidenciaram, como ontem, a natureza política da âncora cambial.
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