São Paulo, Terça-feira, 09 de Março de 1999
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A cada qual, a sua culpa

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - Para que não digam que estou criticando quem já não tem poder, vou reproduzir o que disse de Gustavo Franco em texto publicado dia 31/10/97, quando ele ainda era todo-poderoso:
"Gustavo Franco pertence a uma estirpe de acadêmicos (a que aderiram alguns jornalistas, mais recentemente) que passa a sensação de que, se lhe perguntarem o que acontecerá no dia 30 de março de 2004, vai responder, sem piscar, a que horas o Sol nascerá, qual será a cotação do marco alemão em relação ao baht tailandês, quem ganhará as eleições para a Câmara Municipal de Antofagasta (Chile) ou a cor dos olhos de todos os bebês que estiverem nascendo na Tanzânia naquele momento".
Quem se der ao trabalho de ler as 26 páginas do discurso de despedida de Gustavo Franco notará que ele perdeu o cargo, mas não perdeu as suas inamovíveis certezas. Continua se achando a única pessoa que sabe das coisas (de todas as coisas) e que, por extensão, fez apenas o que era certo.
A julgar pelo texto, o mundo inteiro uniu-se numa conspiração formidável para derrubá-lo do cargo e para jogar o real na lona.
Mas seria fácil demais atribuir unicamente ao ex-presidente do BC a culpa pelo desastre. Em meio a um punhado de alucinações, pelo menos uma de suas frases corresponde de fato à realidade. A saber:
"A política cambial nunca foi minha, mas uma política de governo".
Ou, em outras palavras, o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, é o principal responsável pela sobrevalorização do real. Por extensão, é também o principal responsável por tudo o que vier a ocorrer como consequência da correção de rumos imposta pela realidade.
No Brasil, infelizmente, há uma tendência, antiga aliás, de buscar bodes expiatórios na figura de subalternos para poupar o chefe. FHC, assim como ficou com os bônus da âncora cambial, enquanto durou, deve assumir o ônus do naufrágio, até quando durar.


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