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São Paulo, quarta-feira, 09 de abril de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

A Lua vem da Ásia

RIO DE JANEIRO - Com a guerra no Iraque, o centro de nossas atenções foi deslocado para longe, para desertos distantes, e praticamente perdemos, ao fixar a panorâmica do nosso tempo, o close de nossa realidade mais imediata.
O mês de março foi de lascar em termos de violência, sobretudo no Rio de Janeiro, que faz anos em março e, como eu, é do signo de Peixes, que os entendidos no assunto consideram o "lixo do astral".
Crimes por toda a parte e por todos os motivos, sobretudo os sem motivo. Mães assassinadas por filhos drogados, assaltos e sequestros relâmpagos, difíceis de serem combatidos, traficantes firmando protocolos de intenção e acordos com as comunidades, rios envenenados e, para coroar nossas desgraças, um molho internacional, que nos chega por via aérea, como os artistas internacionais, os corredores de Fórmula 1 e os queijos franceses.
A pneumonia, que começou atípica e agora já é asiática, representa um complicador a mais no saco de nossas desditas, algumas merecidas, outras nem tanto.
É importada, mas não passa pela nossa alfândega nem influi no balanço do nosso superávit comercial. Mas pode fazer um estrago federal.
Sou de uma geração bem posterior à gripe de 1919, que não era asiática, mas espanhola, como as heroínas do Almodóvar. Ouvia os adultos contarem, olhos arregalados e voz baixa, quanto mais baixa mais sinistra, o massacre que a gripe provocara na cidade, matando até o presidente da República e um vizinho dos meus pais que se chamava Fonseca, mas, depois de morto, virou Fonsequinha -um dos mistérios da vida que jamais consegui explicar.
Nunca foi tão fácil morrer. Balas perdidas, fogo amigo, assaltos e episódios afins, que nos dão o consolo besta de esculhambar as autoridades. E agora esta pneumonia vinda da Ásia, de onde, segundo o Campos de Carvalho, nos vem a Lua e a luz.


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