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CARLOS HEITOR CONY
A Lua vem da Ásia
RIO DE JANEIRO - Com a guerra no Iraque, o centro de nossas atenções
foi deslocado para longe, para desertos distantes, e praticamente perdemos, ao fixar a panorâmica do nosso
tempo, o close de nossa realidade
mais imediata.
O mês de março foi de lascar em
termos de violência, sobretudo no Rio
de Janeiro, que faz anos em março e,
como eu, é do signo de Peixes, que os
entendidos no assunto consideram o
"lixo do astral".
Crimes por toda a parte e por todos
os motivos, sobretudo os sem motivo.
Mães assassinadas por filhos drogados, assaltos e sequestros relâmpagos,
difíceis de serem combatidos, traficantes firmando protocolos de intenção e acordos com as comunidades,
rios envenenados e, para coroar nossas desgraças, um molho internacional, que nos chega por via aérea, como os artistas internacionais, os corredores de Fórmula 1 e os queijos
franceses.
A pneumonia, que começou atípica
e agora já é asiática, representa um
complicador a mais no saco de nossas
desditas, algumas merecidas, outras
nem tanto.
É importada, mas não passa pela
nossa alfândega nem influi no balanço do nosso superávit comercial. Mas
pode fazer um estrago federal.
Sou de uma geração bem posterior
à gripe de 1919, que não era asiática,
mas espanhola, como as heroínas do
Almodóvar. Ouvia os adultos contarem, olhos arregalados e voz baixa,
quanto mais baixa mais sinistra, o
massacre que a gripe provocara na
cidade, matando até o presidente da
República e um vizinho dos meus
pais que se chamava Fonseca, mas,
depois de morto, virou Fonsequinha
-um dos mistérios da vida que jamais consegui explicar.
Nunca foi tão fácil morrer. Balas
perdidas, fogo amigo, assaltos e episódios afins, que nos dão o consolo
besta de esculhambar as autoridades.
E agora esta pneumonia vinda da
Ásia, de onde, segundo o Campos de
Carvalho, nos vem a Lua e a luz.
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