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São Paulo, quarta-feira, 09 de abril de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O terrorismo oficial de Bush

IVES GANDRA MARTINS

Gosto do povo americano. Não gosto de Bush.
Gosto dos fundadores de sua pátria e de seus ideais. Não gosto do atual governo e de seus objetivos imperialistas.
Gosto da defesa que Wilson e Roosevelt fizeram da liberdade dos povos e das nações e de uma paz universal. Não gosto da defesa que o ex-governador do Texas faz da destruição de um povo, por odiar um único homem ou, o que seria pior, por interesses econômicos inconfessáveis.
Gostei de como os estadunidenses reagiram à tragédia do World Trade Center. Não gosto da mesquinha vingança contra 23 milhões de iraquianos, que, certamente, nada tiveram a ver com aquele abominável ato de vandalismo e genocídio.
Gosto que se combatam as armas de destruição em massa, utilizando os meios que o direito oferta, assim como da inspeção internacional para eliminá-las, como vinha a ONU procedendo em suas investigações, interrompidas pelo presidente americano. Não gosto da utilização, pelo primeiro mandatário dos Estados Unidos, das armas de destruição em massa, que atingem e matam milhares de civis, só porque Saddam Hussein nasceu e governou o Iraque.
Abomino os atos de terrorismo às escuras, de Bin Laden e de outros genocidas. Abomino, também, os atos de terrorismo oficial, de quem denomina sua operação de massacre daquele povo árabe de "choque e pavor". O próprio nome da operação desventra o "terrorismo oficial" praticado por quem usa dinheiro dos cidadãos americanos para reduzir a escombros uma civilização, cidades inteiras, matando milhares de civis inocentes, como um "vingador" de igual naipe e mentalidade.
Bin Laden e Bush só se diferenciam porque, sendo os dois, lamentavelmente, destruidores e genocidas, o primeiro destruiu duas torres e o segundo um país inteiro.
O direito internacional foi esfrangalhado. O conceito de soberania dos povos, que, na Constituição brasileira, é princípio fundamental, foi violentado. O ideal das nações, de uma paz universal representada pela ONU, foi maculado pela declaração de uma guerra que a comunidade mundial (mais de 80%) condenava e que as nações do mundo não autorizaram.


Bin Laden e Bush só se diferenciam porque o primeiro destruiu duas torres e o segundo um país inteiro


A esperança de que o século 21, como dizia Norberto Bobbio, na "Era dos Direitos", descortinasse um tempo em que a enunciação dos direitos (século 20) fosse seguida de suas garantias foi definitivamente tisnada, visto que não só a garantia de que cada nação deve escolher seu próprio destino deixou de existir, como, o que é pior, os direitos foram definitivamente sepultados por um país que é o mais forte em armas de destruição em massa e o mais fraco no respeito aos povos e nações do mundo.
Até a figura tirânica desse outro genocida, Saddam Hussein, passou a segundo plano porque o minúsculo e poderoso presidente dos Estados Unidos conseguiu demonstrar ser mais eficiente em matar civis do que o déspota iraquiano.
É de lembrar que inúmeros internautas iraquianos têm declarado, segundo a BBC, que não lutam por Saddam Hussein, mas pelo sagrado território iraquiano, que pertence a eles e não poderia ser sangrentamente invadido como o foi, pelos americanos e -lamentavelmente também, em violação às tradições de um povo admirável, como é o inglês- pelas tropas de Tony Blair.
E a cena de segunda-feira, estampada nos jornais, na qual Bush, para não machucar sua cadelinha, quase tropeçou na escada do avião presidencial, contrasta com a imagem das crianças iraquianas, dilaceradas pelas modernas armas de matar civis do arsenal norte-americano.
A partir da invasão do Iraque, o direito internacional das nações e dos povos perdeu significado. O presidente americano poderá, a qualquer momento, de acordo com os seus humores, complexos ou aspirações imperialistas, escolher novos alvos, temendo eu, sempre, pela Amazônia, na medida em que alguns importantes militares americanos referem-se permanentemente àquela parte do território brasileiro como se fosse território do mundo sob proteção dos Estados Unidos.
Mais do que nunca, é necessário que todos os povos, diuturnamente, em manifestações constantes, repudiem o genocídio da gente iraquiana e tentem atalhar, pelo ideal da não-violência, que Gandhi defendeu para libertar a Índia, os sonhos de dominação do mundo do obcecado presidente dos Estados Unidos. E que o povo americano, de tantas lutas que orgulham a humanidade, saiba, nas próximas eleições, afastá-lo, para que retome o respeito que perdeu do concerto das nações, voltando às lutas em defesa da soberania dos povos e da paz mundial.

Ives Gandra da Silva Martins, 68, advogado tributarista, é professor emérito da Universidade Mackenzie e da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo.


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