São Paulo, sexta-feira, 09 de julho de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Inquérito policial sem polícia SAULO RAMOS
Durante os trabalhos da Assembléia Constituinte, participei de
muitos debates e sugeri muitas coisas.
Acusaram-me de intrometido por não
ser parlamentar. Mas eu era consultor-geral da República, com alguma experiência em direito, e me sentia com o dever de colaborar. Achava-me não apenas com a obrigação, mas com o direito
de opinar, e por um motivo simples: eu
era (e sou) brasileiro e não podia omitir-me no momento em que se escrevia a
Lei Maior do meu país. Além de tudo,
José Sarney, empenhado em ajudar a
Assembléia, por ele convocada, punha
todo mundo para trabalhar pela Constituinte.
Agora, alguém entendeu que a exclusividade para promover a ação penal pública inclui a atribuição de instaurar o inquérito, por ser inerente àquela competência de agir judicialmente. Contra esse entendimento, alega-se que o constituinte, se quisesse autorizar competência para o inquérito criminal, teria redigido o comando igual ao do inquérito civil público, isto é, expressamente, porque competência tem que ser típica, como ensina Canotilho, ou seja, escrita na lei, ou "competência não se presume", como ensina Maximiliano ("Hermenêutica", pg. 265). Para explicitar mais ainda, foi editada a lei complementar nº 75, de 1993, cinco anos após a Constituição, que dispõe sobre o estatuto do Ministério Público da União. Incumbências da instituição: "I. instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos; II. requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, podendo acompanhá-los e apresentar provas". Como se vê, a lei complementar obedeceu a Constituição e deixou para o Ministério Público apenas a competência para instaurar inquérito civil, mas, quanto ao policial, é expressa na exigência de requisição à polícia, mesmo porque, acacianamente, se o inquérito é policial, somente pode ser feito pela polícia. Mas tem, o Ministério Público, a competência de apresentar provas. Como apresentá-las sem colhê-las? E pode-se confiar na polícia em todas as partes deste país, quando se sabe que em muitos lugares o crime organizado se infiltrou descaradamente nas polícias desorganizadas? Herdamos, pois, do constituinte de 1988, mais essa alucinante angústia. A Constituição consagra, como direito individual e fundamental, o devido processo legal (art. 5º, LIV). E no devido processo legal não está o inquérito criminal exclusivamente conduzido pelo Ministério Público. O abacaxi sobrou para o Supremo, que, por certo, encontrará uma interpretação inteligente dentro da melhor disciplina jurídica e da realidade brasileira. Não será o fim do mundo a prevalência da ordem constitucional e do devido processo legal no deslinde dessa questão. As provas colhidas em inquéritos formalmente irregulares não serão nulas, se produzidas sob jurisdição de autoridade judiciária competente. Podem ser aproveitadas, declarando-se a decisão com efeitos "ex-nunc", e não "ex-tunc". O povão não sabe o que é isso. Mas o Supremo sabe. José Saulo Pereira Ramos, 75, é advogado. Foi consultor-geral da República e ministro da Justiça (governo Sarney). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: José Carlos Aleluia: Tentativa de fraude Índice |
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