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CLAUDIA ANTUNES
Recorrências
A campanha para "resgatar a auto-estima do brasileiro", lançada
pela Associação Brasileira de Anunciantes e encampada com fervor pelo
governo, tem sido tratada com certo
desprezo. Mas tanto os anúncios publicitários quanto a insistência do presidente Lula em falar sobre o assunto
apenas atualizam uma questão recorrente, também abordada pelo ex-presidente Fernando Henrique em circunstâncias diferentes, embora com o
mesmo propósito -o de unir o país
em torno da sua liderança e do seu
programa.
Uma busca rápida permite encontrar discursos e entrevistas em que
FHC aludiu ao tema, até para defender a autonomia do Banco Central.
Poucos torceram o nariz à época, talvez porque a iniciativa partisse de um
ex-acadêmico que se dizia avesso a
qualquer gesto que pudesse ser considerado "populista". O fato é que os
dois presidentes repetem o diagnóstico de que os brasileiros carecem de
confiança na capacidade de progresso
da nação.
Os países são construções políticas e
institucionais cuja identidade (o conteúdo cultural e ideológico dessas
construções) é tão mais enraizada e
mais firme quanto mais bem-sucedidos forem seus projetos -que em toda parte têm o objetivo expresso e
provocam a expectativa última de garantir o bem-estar para a grande
maioria das pessoas dentro de suas
fronteiras.
É por isso que os americanos, por
exemplo, ainda têm tanta confiança
no que consideram traços básicos de
sua sociedade, como a democracia e a
liberdade, mesmo que a prática de
seus governos os desminta. Apesar
dos antecedentes de Guantánamo e
do Afeganistão, Bush e vários comentaristas dos EUA puderam tranqüilamente qualificar a tortura em Abu
Ghraib como uma aberração diante
dos "valores americanos", um incidente, em suma, "não-americano".
No Brasil, a auto-estima sempre parece pouca -e essa carência pode ser
e com freqüência é objeto de manipulação- porque aquele patamar mínimo de bem-estar para a maioria da
população não foi alcançado, conseqüência do fato de a soberania popular, base do Estado moderno, nunca
ter sido exercida plenamente. O chamado "povo" entrou tarde na vida política, já pelo meio do século passado, e
essa trajetória foi interrompida pelo
regime de 1964 -quando se pretendeu construir um país forte, mas sem
cidadãos, que por isso foi questionado
no período posterior.
Na democracia, chegamos a eleger
um presidente de origem popular (o
que seria uma das causas de símbolos
brasileiros terem se tornado moda no
exterior), mas o projeto de emancipação social, cuja realização torna algumas nações poderosas, e outras fracas,
continua bloqueado. O brasileiro pode não desistir de lutar pela sobrevivência, como diz o lema da campanha
publicitária, mas vai deixando de
acreditar na coletividade.
É demolidor, e vale a pena ler, o documento que analisa as políticas do
FMI divulgado na semana passada pelo Ministério da Economia argentino.
"Argentina, o FMI e a Crise da Dívida"
mostra, ponto por ponto, o fracasso
das previsões do Fundo e a estupidez
de suas recomendações ao país durante e depois da crise da desvalorização
do peso, no final de 2001. O documento pode ser encontrado no endereço
eletrônico http://www.mecon.gov.ar
Claudia Antunes é coordenadora da Redação da
Sucursal do Rio
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