São Paulo, terça, 9 de setembro de 1997.



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Jornalismo e espetáculo

ANDRÉ LARA RESENDE

No início dos anos 20, Walter Lippmann, então um jovem jornalista dos quadros do "New York World" de Joseph Pulitzer, num livro intitulado "Public Opinion", defendeu uma tese polêmica: a era moderna, com sua escala global e a sofisticação tecnológica, tornara-se excessivamente complexa para ser governada segundo os cânones da democracia tradicional.
A compreensão dos intricados meandros das questões econômicas, políticas e tecnológicas tinha passado a exigir um tal grau de sofisticação e de especialização que para o cidadão comum era impossível manter-se atualizado. A democracia de massas estava fadada a desaparecer. Governos baseados no consenso consciente de um público integralmente participativo não seriam mais factíveis.
As possibilidades de manipulação das imagens e das notícias, como demonstrara a experiência do controle do noticiário da Primeira Guerra, haviam se tornado excessivamente perigosas. A existência de governos modernos e conscientes dependeria, portanto, da criação de uma elite sofisticada para conduzir o jornalismo e os assuntos públicos.
Em trabalhos posteriores, Lippmann recuou em relação à defesa tão contundente da tese da monopolização do poder por uma elite esclarecida. Sua longa, extraordinária e influente carreira como articulista até os anos 60, entretanto, foi a personificação do ideal do jornalista como uma autoridade política.
Segundo James Fallows, em "Breaking the News", é de John Dewey, filósofo e educador, a crítica, também dos anos 20, às idéias de Lippmann. Para Dewey, a participação popular no processo de governar é ao menos tão importante quanto o resultado do bom governo. Se os cidadãos não estiverem ativamente engajados nas grandes decisões da sociedade, o resultado virá a ser inevitavelmente falho.
Encontrar a forma de engajar a sociedade no processo político é, de acordo com Dewey, responsabilidade dos formadores de opinião. Se a população estiver confusa, alienada, pessimista ou hostil à vida pública, a responsabilidade é apenas parcialmente dela: os formadores de opinião -políticos e jornalistas, principalmente- não cumpriram seu papel. A democracia de massa não poderia existir sem a imprensa, mas também a imprensa -em oposição a uma mera diversão baseada em celebridades- não poderia existir sem a política democrática.
Setenta anos depois do debate entre Lippmann e Dewey, o tema não poderia ser mais atual. A tese de Dewey parece confirmar-se com a derrota de suas propostas. O jornalismo político é um jornalismo de estrelas. Personalista e cínico, a cobertura da vida pública é uma conversa para iniciados que, como não poderia deixar de ser, tem cada vez menos interesse para um público a cada dia mais desencantado.
Sem compreender que cava sua própria sepultura, o jornalismo reage da forma mais equivocada: tenta competir pela atenção do público assemelhando-se ainda mais aos meios de comunicação de puro divertimento. É exatamente quando discute seus excessos, o direito à privacidade, seu poder de criar e destruir estrelas, que o jornalismo moderno revela mais claramente sua assustadora semelhança com o "show business".


André Lara Resende escreve às terças-feiras nesta coluna.





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