São Paulo, terça, 9 de setembro de 1997.



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Em defesa da nação

Muitas empresas foram, ou estão sendo, massacradas pelas condições extorsivas do crédito bancário


EDUARDO SUPLICY

No dia 17 de agosto, Luiz Inácio Lula da Silva publicou um artigo na Folha, sob o título "A antipolítica industrial", que diz algumas verdades sobre a política econômica do governo e a postura passiva de uma parte do empresariado nacional. O artigo de Lula recebeu resposta agressiva do senador Fernando Bezerra, presidente da Confederação Nacional da Indústria, em 21 de agosto.
Teve razão Lula em destacar que a política do governo obriga os empresários brasileiros a competir em condições desiguais com importações e empresas estrangeiras. Dado o grau de desenvolvimento do país, seria até justificável um certo nível de proteção.
Esse é um aspecto fundamental da situação econômica brasileira, que mereceria abordagem mais clara e incisiva daqueles que assumem posições de liderança no campo empresarial e que, muitas vezes, se acomodam na defesa das políticas do governo. Muitos empresários nacionais, sobretudo os de menor porte, sofrem essa realidade todos os dias, em especial quando são levados a despedir seus empregados, e não se sentem representados pelo discurso de algumas lideranças.
Como negar que tem razão Lula ao afirmar que os produtores nacionais estão sendo prejudicados pela sobrevalorização cambial e por juros que o presidente da República já qualificou de escorchantes? As empresas estrangeiras e as nacionais de maior porte têm a válvula de escape do crédito em moeda estrangeira, mas muitas empresas nacionais menores foram, ou estão sendo, massacradas pelas condições extorsivas do crédito bancário no Brasil. Outras, mesmo querendo ampliar suas atividades, não podem fazê-lo em função do custo exorbitante dos empréstimos ou das dificuldades de financiamento.
As empresas brasileiras que exportam ou concorrem com importações, ressalvados os casos em que há esquemas especiais de proteção ou incentivo, também são fortemente prejudicadas pela persistente sobrevalorização da taxa de câmbio, como ressaltou Lula.
Além disso, fez-se, desde o governo Collor, uma abertura descuidada e improvisada à importação, que continuou com o Real -especialmente no início, antes da crise mexicana. Recentemente, o próprio Fernando Henrique Cardoso fez sua autocrítica nesse particular. No campo tributário, persistem distorções, notadamente tributos em cascata, que punem o produto nacional na competição com o importado.
Lula mencionou que o governo Fernando Henrique Cardoso faz o contrário do que fazem os governos dos países desenvolvidos, que defendem os interesses de suas empresas dentro e fora do país, não se deixando embalar pela retórica da chamada "globalização" e das empresas ditas "transnacionais".
O presidente de honra do PT tocou em um ponto fundamental, que não tem sido devidamente reconhecido no Brasil. De fato, as pesquisas recentes continuam mostrando que, com raras exceções, as empresas "transnacionais" conservam um centro de gravidade nacional claramente identificável.
São, em geral, empresas nacionais com operações internacionais. Concentram as atividades geradoras de maior valor adicionado e aspectos estratégicos, como pesquisa e desenvolvimento, na sua base nacional. Recorrem a seus governos quando disputam contratos e concorrências no exterior e no seu próprio país, como no exemplo recente do empenho do governo Clinton pela Raytheon no projeto Sivam.
Está certo Lula ao concluir que a equipe econômica do governo, que tanto cultiva os "ensinamentos" do norte, deveria levar menos a sério o que eles dizem e prestar mais atenção ao que fazem. São palavras de bom senso, que se aplicam a muitas áreas. Aqui no Brasil -e isso inclui as lideranças da área industrial-, precisamos observar com mais cuidado o que acontece de fato no mundo e não nos deixar levar por slogans e fórmulas fáceis que pouco ou nada têm a ver com a prática concreta dos países mais avançados.
Finalmente, deve se esperar maior preocupação com a nação no seu sentido mais amplo. Refiro-me à necessidade de governo e entidades sentarem à mesa para encontrar soluções, visando superar o desemprego, a miséria e garantir o progresso de todos no Brasil.
Eduardo Matarazzo Suplicy, 56, é senador pelo PT de São Paulo, doutor em economia pela Universidade Estadual de Michigan (EUA) e professor de economia da Fundação Getulio Vargas (SP).





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