São Paulo, sábado, 09 de setembro de 2006

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CLAUDIA ANTUNES

Paroquialismo, fanatismo

O INDIANO Amartya Sen, Nobel de Economia de 1998, é um liberal à antiga. Seu trabalho como economista é tanto sobre equações e estatísticas quanto sobre história e comportamento; como pensador político, ele valoriza antes de tudo o direito de escolha do indivíduo.
Sen lançou recentemente "Identity and Violence" (identidade e violência), uma resposta ao "choque de civilizações", que é combustível tanto de George W. Bush como de Osama bin Laden. O americano Bruce Lawrence, que traduziu para o inglês as mensagens do saudita, conta que Bin Laden foi um dos primeiros a fascinarem-se com a utilidade política do conceito lançado por Samuel Huntington em 1993.
Para o Prêmio Nobel, o "choque de civilizações" seria mais bem definido como "um encontro do radicalismo islâmico com o paroquialismo ocidental" -a necessidade de enquadrar o estrangeiro numa identidade simplificadora (no caso, a religiosa ou cultural), que transforma em destino apenas uma das suas possibilidades de escolha na vida social. Tanto os apelos paternalistas ao islamismo como religião "pacífica" (nenhuma religião monoteísta, ao pé da letra, é pacifista) como a insistência no "caráter ocidental" de toda idéia de democracia vão por esse caminho.
A categoria "civilizações", diz Sen, é usada para "fechar as pessoas dentro de um conjunto de caixas rígidas".
Outras divisões -entre ricos e pobres, entre ideologias políticas, entre nacionalidades e línguas- são apagadas por essa classificação. É nesse sentido que o economista critica os rumos do chamado multiculturalismo na Inglaterra e nos Estados Unidos.
Contra a idéia de mistura e síntese de pessoas de diferentes tradições, esses países estariam virando "federações" de raças e religiões. O multiculturalismo, segundo Sen, corre o risco de se transformar numa celebração da diversidade por si mesma, negando tanto a igualdade dos cidadãos como a liberdade de cada um escolher que identidade privilegiar em cada momento -se a religiosa, a política ou outra. Sen critica, por exemplo, o incentivo dado às escolas confessionais pelo governo de Tony Blair, a pretexto de prestigiar as religiões, porque elas restringem as informações que os alunos recebem e, conseqüentemente, suas opções.
O Prêmio Nobel introduz o conflito no debate sobre o "respeito às diferenças" -que perde o sentido se, na prática, equivaler a grupos "desiguais e separados". No Brasil, isso significa que as políticas de cotas no ensino podem ser um bom meio para equalizar oportunidades, desde que elas não levem à ditadura do politicamente correto e a identidades definidas primariamente por raças. Um equilíbrio sob medida para otimistas.


CLAUDIA ANTUNES é editora do caderno Mundo.

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