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CLAUDIA ANTUNES
Paroquialismo, fanatismo
O INDIANO Amartya Sen, Nobel de Economia de 1998, é
um liberal à antiga. Seu trabalho como economista é tanto sobre equações e estatísticas quanto
sobre história e comportamento;
como pensador político, ele valoriza antes de tudo o direito de escolha do indivíduo.
Sen lançou recentemente "Identity and Violence" (identidade e
violência), uma resposta ao "choque de civilizações", que é combustível tanto de George W. Bush como de Osama bin Laden. O americano Bruce Lawrence, que traduziu para o inglês as mensagens do
saudita, conta que Bin Laden foi
um dos primeiros a fascinarem-se
com a utilidade política do conceito lançado por Samuel Huntington
em 1993.
Para o Prêmio Nobel, o "choque
de civilizações" seria mais bem definido como "um encontro do radicalismo islâmico com o paroquialismo ocidental" -a necessidade
de enquadrar o estrangeiro numa
identidade simplificadora (no caso,
a religiosa ou cultural), que transforma em destino apenas uma das
suas possibilidades de escolha na
vida social. Tanto os apelos paternalistas ao islamismo como religião "pacífica" (nenhuma religião
monoteísta, ao pé da letra, é pacifista) como a insistência no "caráter ocidental" de toda idéia de democracia vão por esse caminho.
A categoria "civilizações", diz
Sen, é usada para "fechar as pessoas dentro de um conjunto de caixas rígidas".
Outras divisões -entre ricos e pobres, entre ideologias
políticas, entre nacionalidades e
línguas- são apagadas por essa
classificação. É nesse sentido que o
economista critica os rumos do
chamado multiculturalismo na Inglaterra e nos Estados Unidos.
Contra a idéia de mistura e síntese
de pessoas de diferentes tradições,
esses países estariam virando "federações" de raças e religiões.
O multiculturalismo, segundo
Sen, corre o risco de se transformar
numa celebração da diversidade
por si mesma, negando tanto a
igualdade dos cidadãos como a liberdade de cada um escolher que
identidade privilegiar em cada momento -se a religiosa, a política ou
outra. Sen critica, por exemplo, o
incentivo dado às escolas confessionais pelo governo de Tony Blair,
a pretexto de prestigiar as religiões,
porque elas restringem as informações que os alunos recebem e, conseqüentemente, suas opções.
O Prêmio Nobel introduz o conflito no debate sobre o "respeito às
diferenças" -que perde o sentido
se, na prática, equivaler a grupos
"desiguais e separados". No Brasil,
isso significa que as políticas de cotas no ensino podem ser um bom
meio para equalizar oportunidades, desde que elas não levem à ditadura do politicamente correto e a
identidades definidas primariamente por raças. Um equilíbrio sob
medida para otimistas.
CLAUDIA ANTUNES é editora do caderno Mundo.
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