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São Paulo, quinta-feira, 09 de outubro de 2003

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OTAVIO FRIAS FILHO

Califórnia dream

A eleição do ator Arnold Schwarzenegger para o governo da Califórnia pode ser debitada às extravagâncias eleitorais do maior Estado norte-americano. Ali se combinam o coração da indústria do entretenimento, de onde provém o novo governador, e o culto a uma política alternativa, heterodoxa, que usa e abusa de plebiscitos.
Não se pode dizer que sua vitória, apesar de surpreendente, traduza uma novidade. Ela confirma outra vez que a política se tornou uma forma de espetáculo regido pela linguagem publicitária da mídia. O precedente mais óbvio, no caso, é o de Ronald Reagan, também ator, também governador da Califórnia (1966-1974).
Mas as semelhanças ficam aí. Desde o fim dos anos 40, Reagan militava como dirigente do sindicato dos atores. Candidatou-se quando fazia quase 20 anos que o público não estava acostumado a vê-lo nas telas. Presidente, colheu a vitória na Guerra Fria e foi um dos artífices da ideologia econômica liberal que prevalece desde então.
Schwarzenegger é um oportunista que tem uma noção vaga dos problemas da administração. Fez a campanha prometendo menos impostos e mais gastos sociais -para usar os termos de seus filmes, seria como poupar munição e descarregá-la no inimigo ao mesmo tempo. E explorou o tema ambiental num Estado onde existe uma obsessão ecológica.
Sua conversão de mito do cinema em político profissional foi muito mais fulminante e postiça do que a de Reagan. Nem por isso, agora que ela se consumou, deveria ser vista como mero acidente eleitoral ou simples resultado da obstinação com que Schwarzenegger persegue fama, dinheiro e poder desde que chegou aos EUA, em 1968.
O inglês não era a língua dos pais da maioria dos californianos, dos quais 25% são estrangeiros. A eleição do herói de filmes classe B significa a vitória do imigrante que venceu como poucos na saga percorrida por tantos de seus eleitores. Schwarzenegger representa bem a ideologia do imigrante adaptado, que se torna mais realista que o rei.
Sua imagem está perfeitamente sintonizada com o clima belicoso em que os atentados e a política de Bush jogaram os americanos. Está em sintonia também com a idéia infantil, verdadeira "mensagem" de seus filmes, de que os grandes esquemas da corrupção, da injustiça, do "mal", enfim, só podem ser exterminados por um justiceiro.
Além da crise no setor da internet, a Califórnia é vítima de uma demagogia antiimpostos, inaugurada por Reagan, que vem depauperando a capacidade do Estado para investir e é uma das causas da crise energética que se somou à outra. A solução encontrada pelo eleitorado é de um escapismo à altura de sua fábrica de sonhos.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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