São Paulo, sábado, 09 de outubro de 2004

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O VOTO AFEGÃO

Pela primeira vez na história, a população afegã deverá escolher hoje seu líder através de um processo eleitoral direto. Seria tentador, afirmar que a democracia finalmente chegou ao país centro-asiático, mas isso não corresponderia aos fatos.
Em boa medida, o pleito de hoje pode ser interpretado como uma ofensiva de marketing do presidente George W. Bush, que deverá passar ele mesmo pelo teste das urnas dentro de três semanas. E é bom para a campanha do candidato republicano dizer que ele "implantou" a democracia no Afeganistão, país em que interveio em 2001 após os atentados do 11 de Setembro.
Não há dúvida de que a situação no país é melhor do que a vivida sob o regime anterior, a teocracia repressora dos Talebans, e também do que a do Iraque, que foi igualmente palco de uma invasão norte-americana. A comparação, contudo, não basta para promover o caos de média intensidade que reina no país numa democracia. Nem os candidatos nem os funcionários da ONU encarregados de conduzir o pleito têm acesso a extensas áreas do país. Na Província da Paktia, cidadãos se registram inúmeras vezes para votar. Até crianças foram inscritas. O total de registros chegou a 170% das estimativas.
Nas três Províncias do sudeste do país, um conselho de 500 líderes tribais determinou no mês passado que todos os eleitores devem votar em Hamid Karzai, o presidente interino. Em outras regiões, dominadas por senhores da guerra que se mantêm graças aos lucros do tráfico de ópio, a situação não é melhor.
A intervenção no Afeganistão está melhorando as condições de vida da população, mas, em vez de investir energias e recursos numa encenação democrática, teria sido melhor acelerar os esforços de reconstrução e de avanço institucional. Seria preferível que o pleito não se submetesse à agenda de Bush, mas se realizasse quando o país apresentasse condições reais de eleger também um Parlamento. Karzai, que quase certamente será eleito hoje, seguirá governando por decreto.


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