São Paulo, quinta-feira, 09 de outubro de 2008

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VINICIUS MOTA

Comédia financeira

PARA AQUELES que, como eu, têm a tara escapista de rir da própria desgraça, e da alheia, uma das indicações contra esta crise pavorosa são os veteranos humoristas britânicos John Bird e John Fortune. Algumas das impagáveis esquetes da dupla sobre o cataclismo financeiro estão à disposição no YouTube.
É o caso da que explica o fenômeno subprime, as hipotecas de altíssimo risco que, a partir dos EUA, deflagraram a derrocada. Fortune entrevista Bird, que interpreta o mais cínico dos banqueiros. A certa altura, o financista revela o segredo do negócio: os "bons nomes" dos bancos que atuam nesse mercado.
Bons nomes? Boa reputação?
Nada disso, responde o banqueiro.
É que eles sabem dar bons nomes aos produtos que vendem. Ninguém compraria um título derivado de uma hipoteca subprime se ele se chamasse dívida impagável do desempregado do Alabama. Já na forma de um "Structured Investment Vehicle" (veículo estruturado de financiamento), fica palatável. E o que dizer de um "High Grade Credit Strategies Enhanced Leverage"? Irresistível -nem precisa traduzir para comprar.
Dado a fazer fosquinha, o presidente Lula também tentou tirar uma lasca do presidente Bush por conta da crise: "Que crise?". Depois foi perdendo a graça e apelou até ao amor de Deus para que o Brasil não seja obrigado a comer, de novo, o pão amassado pelo capiroto. Caiu a ficha, como se diz. Está certo que não caiu assim fácil, de chofre, pois Lula foi culpar a especulação contra o real pelo prejuízo que alguns exportadores tomaram. Presidente, as empresas estavam especulando a favor do real... A piada, no final, voltou-se contra o piadista.
Descobre-se agora que algumas companhias brasileiras, grandes e médias, estavam com os dois pés enfiados na jaca da farra dos derivativos. Exportadoras, não se contentaram em proteger sua receita contra oscilações cambiais. Quiseram ganhar uma grana fácil, apostando em que o real iria ficar para sempre valorizado. O dólar empinou-se, e o prejuízo fez boom. Agora essas empresas compram dólar desesperadamente e jogam a cotação da moeda americana para as alturas.
Voltando à explicação do banqueiro cínico, as empresas brasileiras que caíram na esparrela foram vítimas dos bons nomes aplicados pelos bancos. Por que vender algo que não passa de uma roleta-russa cambial quando se pode oferecer um "Target forward"?
Tanta criatividade "não pode produzir uma ruína financeira generalizada?", indaga o entrevistador. "Não, se o governo entregar a nós, especuladores, o dinheiro que perdemos", responde o banqueiro.

vinimota@folhasp.com.br


VINICIUS MOTA é editor de Opinião da Folha.


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