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São Paulo, terça-feira, 09 de dezembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Defensores dos direitos humanos

HÉLIO BICUDO

Os direitos humanos buscam o restabelecimento da verdade, muitas vezes omitida ou ocultada pelos Estados quando percorrem os caminhos ínvios da violência e violam direitos fundamentais do cidadão: os direitos civis, políticos, culturais, sociais e econômicos, que se entrelaçam no direito ao desenvolvimento. O direito à verdade é parte de um mais amplo direito à justiça que as vítimas têm quando sofrem violações por parte dos agentes do Estado.
Esses crimes impõem ao Estado: 1) a obrigação de investigar e de dar a conhecer os fatos que possam estabelecer a verdade; 2) obrigação de processar e castigar os responsáveis; 3) obrigação de reparar integralmente os danos morais e materiais causados; 4) obrigação de extirpar dos órgãos de segurança aqueles que se sabe tenham cometido, ordenado ou tolerado tais abusos.
Sem dúvida, o direito à verdade e à justiça tem sólidos fundamentos jurídicos, políticos e éticos que, por tão conhecidos, nem precisam ser mencionados. Não merece, destarte, maior consideração a alegação, que geralmente é feita, da necessidade de reconciliação nacional para pôr fim a qualquer enfrentamento político e social, na busca da justiça, única capaz de alcançar a paz.


É evidente que a agenda dos direitos humanos vai sendo relegada a um segundo ou terceiro plano


Ora, a tarefa dos defensores dos direitos humanos se dá, justamente, para que a verdade, no caso símbolo da justiça, sempre prevaleça.
Entretanto essa tarefa é ignorada pelo Estado e muitas vezes pela própria sociedade, a qual, condicionada pelos meios de comunicação, na maior parte das vezes, enxerga na atuação dos defensores dos direitos uma distorção do direito de defesa. Os defensores dos direitos humanos são todos aqueles comprometidos com a realização do ideal proclamado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e que já fora também o cerne da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.
Quando há perseguição e opressão, quando se negam os direitos humanos ou a dignidade humana se vê ameaçada, quando as minorias perseguidas ou os povos oprimidos correm perigo, os defensores estão lutando para proteger os fracos e para que respondam por seus atos os que abusam do próprio poder.
Procedentes de todas as profissões e condições sociais, os defensores de direitos humanos estão unidos por seu compromisso incondicional com a proteção e a defesa da dignidade e dos direitos de seus concidadãos. Desempenham um papel dinâmico na luta para eliminar a violação dos direitos e a injustiça social. E, o que é fundamental, contribuem para o fortalecimento da legalidade e da justiça, sobretudo nos países chamados emergentes ou subdesenvolvidos.
A comunidade dos defensores de direitos humanos é uma mescla de pessoas e grupos em organizações não-governamentais ou oficiais. É a vanguarda que pressiona em favor da mudança e denuncia as violações de direitos humanos que cometem os agentes do Estado, fala em favor dos marginalizados e excluídos, trata de pôr fim à impunidade, denunciando os autores de violações dos direitos, e busca promover sociedades justas e equitativas.
Ademais, recorda constantemente a todos os Estados que devem cumprir suas promessas e suas obrigações de proteger os direitos dos cidadãos. Esse é um papel importante, pois quase sempre a distância que separa a retórica governamental e a realidade é enorme.
Não é por outro motivo que o Parlamento alemão realiza amanhã, quando se comemora mais um aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, sessão para uma reflexão sobre a problemática dos defensores de direitos humanos, para encontrar caminhos para a sua proteção, tão desconsiderada nos países da América. Vez por outra, sucessos internacionais se interrompem e há retrocessos ao processo progressivo que objetiva o surgimento de uma sociedade nova, em que a justiça seja o fundamento da paz.
Nessa linha de pensamento, acontecimentos como o atentado terrorista de 11 de Setembro -na verdade bastante relativo, se pensarmos nas experiências européia, japonesa, chinesa ou palestina da guerra- aproximam a América do comum da humanidade e a torna mais sensível aos problemas dos pobres e dos fracos. Como frisa Emmanuel Todd no seu livro "Après l'Empire", "o mundo teve um sonho, o reconhecimento por todas as nações, ou quase todas, da legitimidade do poder dos EUA a conduzir um emergente império do bem; os povos dominados aceitando um poder central, os dominantes americanos submetendo-se à idéia da justiça". Contudo o comportamento dos EUA começa a mostrar uma mudança de percepção.
É evidente que a agenda dos direitos humanos vai sendo relegada a um segundo ou terceiro plano, como o atestam as invasões do Afeganistão e do Iraque e o tratamento dado, nas prisões de Guantánamo, aos prisioneiros da aventura americana para a consolidação de seu império.

Hélio Bicudo, 81, advogado e jornalista, é vice-prefeito do município de São Paulo. Foi presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA.


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