São Paulo, terça-feira, 09 de dezembro de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Sobre as causas da estagnação
GILBERTO DUPAS
Esses dados são confirmados se mirarmos pelo lado da despesa: o nível de consumo real das famílias, responsável por 63% do PIB, reduziu-se após 1996, ao mesmo tempo em que estagnaram os investimentos públicos e privados. Quanto ao lucro dos negócios, o das empresas não-financeiras cresceu 17% entre 1996 e 2001; já o das empresas financeiras, sócias da dívida pública, aumentou de 75%. O que amenizou um pouco a estagnação da renda familiar foram as transferências do governo, especialmente aposentadorias, pensões e seguro-desemprego. Elas cresceram tanto quanto a receita tributária do governo (29%). Já a formação bruta de capital fixo ficou em meros 5%. Em compensação o Estado foi sangrado fundo em imensas despesas de juros (137% de aumento), responsáveis por quase todo o déficit do governo no período de 1996 a 2001, impedindo o investimento e o consumo públicos. O rápido raio-X de nosso pífio crescimento destaca apenas o setor agrícola, especialmente após os choques cambiais iniciados em janeiro de 1999. Dos 7% entre 1999 e 2002, a agricultura trouxe 25% deles, embora pesando só 10% do PIB. Grande parte disso se deu pela contribuição expressiva de suas exportações na redução do déficit comercial, aproveitando-se do dólar desvalorizado e dos bons preços das commodities. Outra questão relevante é a queda da renda. Enquanto o consumo per capita das famílias brasileiras não cresceu no período de 1996 a 2002, o rendimento total dos ocupados nas regiões metropolitanas caiu 17%, sendo maior ainda em São Paulo. Estabelece-se aí uma clara gradação do aumento da precariedade. Seja nas variações do número de pessoas necessitadas e dispostas a trabalhar (PEA), do número de desocupados, de empregados com carteira ou dos trabalhadores por conta própria, em todos os casos o pior desempenho foi o da região metropolitana de São Paulo, seguida -nessa ordem- pelas outras metrópoles, pelo Estado de São Paulo e pelo resto do Brasil. Quer dizer, as metrópoles brasileiras se transformaram no depósito de precariedade, de pobreza e de concentração de renda no país. A pesquisa do Ieei revela também, a partir de tabulações inéditas do Seade, o perfil das famílias paulistanas por natureza de ocupação: 38% delas têm todos os seus membros trabalhando exclusivamente no mercado formal e 26% delas têm todos eles com ocupação informal. A renda média per capita dessas famílias recua de R$ 773 mensais para R$ 570, R$ 421 e R$ 362, quando elas passam de membros totalmente formais para maioria formal, maioria informal e totalidade dos membros informais. O que demonstra uma clara relação entre a informalidade e a precariedade. Quando agrupamos a zona da formalidade e a da informalidade, entre 1995 e 2002, notamos que o número de pessoas abrigadas na categoria de famílias com predominância ou totalidade formal reduziu-se em 8%; já as informais aumentaram em 22%. Enquanto isso a renda per capita média caiu em todas as categorias, embora mais na informal (30% contra 21% na formal). Esse é o crítico panorama de um país que não cresce desde a estabilização dos efeitos do Plano Real, porque estagnaram tanto a renda das famílias como o consumo e o investimento. Só cresceram a carga tributária e brutalmente o volume de juros pagos pelas dívidas interna e externa. Como o aumento da arrecadação não foi suficiente para pagá-lo, restou cortar fundo o Orçamento em todos os níveis e garrotear ainda mais o crescimento. Ainda que evitando conclusões fáceis em assunto tão complexo, a "galinha" só não aterrizará de novo em 2005 se houver uma redução muito mais radical dos juros, que depende de políticas públicas capazes de lidar com os nossos passivos externo e interno. Pena ser tão fácil diagnosticar e recomendar e tão difícil operar. Até lá, a miséria e a precariedade irão continuar a se acumular nas metrópoles do país. E o governo tentará tapar o sol com a peneira do assistencialismo. Gilberto Dupas, 60, economista, coordenador-geral do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da USP, é presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Hélio Bicudo: Defensores dos direitos humanos Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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