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CARLOS HEITOR CONY
Chávez e Cambronne
RIO DE JANEIRO - Ainda bem
que as coisas mudam em quase
todos os setores, inclusive na imprensa. Sou de um tempo em que
não se podia escrever a palavra
"câncer" nos jornais. Os secretários
de redação (não havia ainda os
editores) escreviam por cima:
"insidiosa moléstia".
Durante alguns anos, Graciliano
Ramos exerceu, no "Correio da Manhã", funções que seriam as de um
"copy desk" antecipado. Lia os textos da reportagem, tinha acessos de
cólera quando encontrava um "entrementes". Dizia em voz alta: "Entrementes é a pqp!". Ainda hoje não
se deve escrever o palavrão por extenso, mas esse dia ainda chegará.
Lembrei essas coisas ao ler, na
Folha de quinta-feira passada, reportagem sobre o desabafo do presidente Hugo Chávez sobre a derrota que ele sofreu no referendo da
Venezuela.
Em letras grandes, o título chamava para o texto: "Oposição teve
vitória de "merda", afirma Chávez".
Creio que tenha sido a primeira
vez em que vi a palavra em tipos
grandes e em negrito, como é praxe
usar em títulos. Mas, durante anos,
autores parnasianos e de sensibilidade vernácula usavam uma expressão erudita para designar a
mesma coisa. Referiam-se ao general francês Pierre Cambronne, que,
ao perder a batalha, descera do cavalo e reclamara: "Merde!".
Era o palavrão de Cambronne,
que comandou em Waterloo o último escalão da Velha Guarda de Napoleão. Ficou de bom tom evitar a
palavra e usar a expressão que o tornou célebre. Referir-se a Cambronne ficou sendo uma prova de erudição e bom gosto, como a citação das
rosas de Malherbe.
O mais estranho é que a mesmíssima palavra é uma das mais usadas
no dia-a-dia do francês. Antes de
entrar em cena, os artistas se beliscam e dizem "merde", que equivale
a um voto de boa sorte.
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