São Paulo, quarta-feira, 10 de janeiro de 2001

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ANTONIO DELFIM NETTO

Brax, Niccolò e o TCU

Foi rápida e certeira a mudança do presidente ao extrair o X da Petrobras. No Congresso, a famosa "base do governo", tomada de surpresa, desapareceu. Apanhou em absência, até ser aliviada, já no final da tarde, pelo anúncio do senador Antonio Carlos Magalhães de que o chefe do Executivo suspendera (provisoriamente?) a medida. O ilustre e competente líder do governo, senador José Roberto Arruda, tomado de estupor e indignação fulminou: "isto é uma imbecilidade!"
Os argumentos de ordem mercadológica da administração da empresa podem até ter algum sentido. É mais do que duvidoso, entretanto, que a substituição do nome Petrobras por PetroBrax iria modificar a avaliação de risco da companhia. De duas uma. Ou a avaliação de risco da empresa depende da higidez do seu balanço, da transparência e correção de suas informações, das suas reservas de petróleo, da sua capacidade de crescimento e da boa governança corporativa, ou o mercado é absolutamente idiota: a mera substituição de "bras" por "Brax" criaria uma empresa "jóia", (com o mesmo acionista majoritário) separando-a dos riscos de um país "ex-quase-podre". O que causou perplexidade foi o desembaraço do Executivo. Seus membros agiram como se fossem acionistas majoritários privados: como proprietários das ações que pertencem ao Tesouro Nacional (por enquanto, da nação!). São "donos" do patrimônio que se supunha público, podendo dispor dele (inclusive do apreciável valor da marca "Petrobras") à sua vontade.
Temos a vaga lembrança que o presidente da República, nos seus momentos de lazer na Academia, flertou com o difamado senhor Niccolò Machiavelli. Este ensinou "que para manter o povo contente, o Príncipe não deve mexer na sua propriedade ou na sua honra". Mesmo os que (como eu) sempre foram contra o monopólio estatal, temos de reconhecer que, apesar de exigir sacrifícios do povo brasileiro, a empresa foi resultado de profunda mobilização do sentimento nacionalista mais generoso. Houve uma batalha que empolgou a nação, e nós perdemos! A Petrobrás não é sagrada, mas é um fato social importante, que não pode ser removido numa tenebrosa transação de "bras por Brax".
A despeito de seu corporativismo, a Petrobras é uma empresa relativamente eficiente e sempre respondeu com seriedade às tarefas que recebeu, como, por exemplo, no governo Figueiredo. O problema é que ela era mais reativa do que pró-ativa. Por isso submetê-la à concorrência com a quebra do monopólio foi uma boa medida.
De onde saiu tanta arrogância e insensibilidade e tamanho poder para tentar raptar a história? "Infelizmente erramos. Recuamos para deixar a poeira baixar", disse o assessor da diretoria sem morrer de vergonha. Resta saber se o Tribunal de Contas da União vai esperar a poeira baixar para mandar a diretoria ressarcir os cofres da empresa pelos R$ 2,3 milhões dissipados na abortada aventura...

Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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