São Paulo, sexta-feira, 10 de janeiro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Os FX e os gastos militares

CESAR MAIA

A suspensão da compra dos 12 aviões de caça FX pelo governo federal reabre o debate sobre os gastos militares. O argumento financeiro de curto prazo -opção por programas sociais- não é convincente, pois as condições lançariam o desembolso para quatro anos depois. Na verdade, foi uma opção do atual governo.
A justificativa, embora não explícita, é conhecida: vivemos numa zona de não-confronto; o Brasil nunca intervirá fora da região; o tráfico de drogas na região não exige aviões interceptadores de última geração... São argumentos fortes apenas para quem olha a conjuntura, o curto prazo e o país no seu período de governo.
É verdade que, provavelmente, nos próximos três ou quatro anos, a situação projetada seja essa. Mas será que, avaliando a situação internacional -as dezenas e dezenas de conflitos militares localizados dos últimos anos- e o caráter cada vez mais globalizante das idéias, pode-se fazer o mesmo cálculo raciocinando de forma estratégica? No mínimo, é um risco enorme.
Que desdobramento terá a situação da Colômbia? E dos governos fragilizados da Venezuela e do Peru? E da incógnita étnica peruana e equatoriana? E como se desdobrará a situação política da Argentina? Outro dia, Equador e Peru estavam disputando com armas suas fronteiras. É possível, se não provável, que as situações internas de um ou outro país tenham desvios político-fundamentalistas, como ocorreu e ocorre em outras áreas, a começar pelos Balcãs.
De que forma os equipamentos de fronteira, como Itaipu, seriam tratados por governos fundamentalistas? E não me refiro a nenhum componente religioso, embora não o exclua. É absurdo pensar em um acréscimo ainda mais grave da narcopolítica? E a Amazônia? Os resíduos históricos, especialmente os do século 19, terminaram? Quem pensa assim é bom andar por nosso continente.
É evidente que o Brasil hoje, mais do que nunca, cumpre um papel hegemônico na América do Sul. Queira ou não. Os primeiros movimentos do novo presidente -antes e agora- mostram isso. A sua posse foi ratificada pela presença dos chefes de Estado regionais.


Se o argumento é financeiro, que se volte atrás logo, pois temos aí um absurdo equívoco de graves consequências


Em nível internacional, o que vemos é um amplo debate sobre duas macroalternativas de estratégia militar.
De um lado, os Estados Unidos, de Bush, inaugurando o que chamam de prevenção ativa, ou seja, o direito de intervir militarmente em qualquer parte para prevenir o que imaginam esteja ou estará acontecendo numa região ou país. Do outro lado, o sistema estabelecido pela tradição contemporânea de dissuasão. A dissuasão se dá em dois campos: no diplomático, sempre, mas também no campo militar.
Estabelecem-se internacionalmente, de forma progressiva, limites ao armamentismo, especialmente ao uso de armas nucleares. Mas isso não significa a renúncia dos países à atenção às suas autodefesas, às suas soberanias. Do contrário, dada a atual correlação de forças militares, cada país, no limite, deveria sempre contar com um "país cobertor". Raciocinando por absurdo, qual seria o nosso? Os Estados Unidos? A Inglaterra? A China? A Rússia? A França?
A dissuasão, diferentemente do que muitos ingênuos imaginam, para ser diplomaticamente eficaz precisa dar garantias de equilíbrio militar em relação a pontos potencialmente nervosos. Não há dissuasão diplomática, pelo menos por enquanto, sem referência militar.
A capacitação militar não se restringe ao acesso a equipamentos -armas, veículos, navios ou aviões. Ela é, basicamente, a capacitação dos recursos humanos. Mas esta capacitação se dá, também e principalmente, com o uso dos equipamentos mais modernos. Não serão os simuladores que resolverão isso. Nem o mero acesso aos equipamentos em outros países -que é necessário, mas não suficiente, seja para treinamento técnico, seja para treinamento em operações conjuntas. Isso por uma razão básica: o treinamento em bases de outros países tem um componente ideológico e afeta a soberania nacional. Era a própria esquerda que dizia isso, nos anos 60 e 70.
Atrasar a compra dos FX para um país que só tem aviões interceptadores de teco-teco não é uma questão financeira. Significa um atraso de, pelo menos, uma década na capacitação soberana de pessoal. Se o argumento é financeiro, que se volte atrás logo, pois temos aí um absurdo equívoco de graves consequências. Se o argumento é estratégico, que se abra o debate com franqueza, pois esta não é uma questão de governo, mas de Estado.
No mínimo, as comissões de Defesa do Congresso Nacional devem abrir o debate e convocar os ministros e estrategistas do governo federal, da sociedade e das Forças Armadas. Urgente!

Cesar Maia, 57, economista, é prefeito, pelo PFL, do Rio de Janeiro. Foi prefeito da mesma cidade de 1993 a 1996.


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