São Paulo, sexta-feira, 10 de janeiro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

De Colombo a Buarque

ARNALDO NISKIER

Temos indiscutíveis afinidades com o prenome Cristóvão. Se não fosse Cristóvão Colombo, com a sua pertinácia com os patrocinadores, quem teria descoberto a América, enfrentando mares bravios com as suas gloriosas caravelas?
São Cristóvão é o padroeiro dos motoristas, igualmente condutores. E o velho São Cristóvão de Futebol e Regatas, campeão carioca de 1926, o clube dos cadetes, que revelou ao mundo o fenômeno Ronaldinho?
Agora é a vez de Cristovam Buarque, de uma tradicional família pernambucana de cristãos novos. Inteligência aguçada, talvez seja o primeiro engenheiro pedagógico produzido nesta terra. Dirigiu a UnB (Universidade de Brasília), foi governador do Distrito Federal e tornou-se um ostensivo apaixonado pelas questões educacionais, sempre alvo das suas inúmeras conferências, artigos e livros de reconhecida qualidade.
A obsessão do novo ministro da Educação, esquecendo os delírios da gestão anterior, será naturalmente trabalhar pela erradicação da fome, que vitima bem mais de 50 milhões de brasileiros, mas com a compreensão de que não são suficientes medidas paliativas. O Bolsa-Escola (R$ 45 por família) é emergencial. O que resolve mesmo é dar educação a todos e abrir postos de trabalho.
O desenvolvimento ganha, assim, um novo colorido, recordando os bons tempos de JK, cujos sonhos iniciais transformaram-se depois em luminosas realidades.


Algumas armadilhas, como a redução programada dos recursos para a educação, terão de ser dribladas


O presidente Lula criticou os índices baixíssimos da educação brasileira: "Não basta dizer que todas as crianças estão na escola, é preciso dizer qual é a qualidade de ensino que elas têm". Outro ponto crucial foi lembrado pelo ministro Antonio Palocci, quando se referiu à "pesada herança" recebida: "Apenas 20% dos jovens de 15 a 17 anos estão no ensino médio, e 8% dos jovens de 18 a 24 anos estão no ensino superior. Um dos índices mais baixos da América Latina. Atualmente, 70% dos trabalhadores adultos têm ensino fundamental completo. Faz-se necessário aumentar o grau de escolaridade média da população, hoje na vergonhosa faixa de quatro anos". É preciso dizer mais?
Como se vê, a orquestra do maestro Lula começa a tocar de forma bastante afinada, com o ministro Cristovam Buarque fazendo o papel de spalla na condução do setor de maior relevo da máquina governamental. Ele não vai destruir acertos pontuais da herança recebida, como é o caso da avaliação instalada, que, de todo modo, precisa ser aperfeiçoada.
Tem, no entanto, a missão de cuidar das universidades federais praticamente a partir do ponto zero. Elas nunca foram tão desconsideradas como nos últimos oito anos, até mesmo com provocações gratuitas, como foi o caso da escolha preferencial de reitores menos votados. Simples provocação ou, o que é pior, um malfadado exercício de arrogância?
Algumas armadilhas, como a redução programada dos recursos para a educação, terão de ser dribladas. Dos R$ 8 bilhões de 2002 (62% gastos com o ensino superior, com resultados pífios), o novo governo contará com apenas R$ 7 bilhões. Mágicas são proibidas no serviço público. É preciso dar um alento expressivo a professores, técnicos, alunos e funcionários das 53 instituições federais de ensino. Sobreviveram heroicamente ao período anterior e, para sorte nossa, não deixaram cair o prestígio da nossa pesquisa científica e tecnológica, basicamente realizada nas universidades federais.
A questão que certamente merecerá reflexão acurada do novo MEC é o Conselho Nacional de Educação, que foi claramente subutilizado. Dividido em duas câmaras (Educação Superior e Educação Básica), teve uma ação desbalanceada, ficando os serviços burocráticos, na proporção de 80%, sob responsabilidade da primeira das câmaras citadas. O órgão deve ser revisto, até para que não fique só na autorização, credenciamento e reconhecimento de cursos superiores, o que lhe dá características que provocam críticas sucessivas.
Como conselho, deve ajudar o ministro a pensar as reformas, as mudanças; órgão normativo que é. Aliás, lembro que, numa conferência feita no antigo Conselho Federal de Educação, em 1998, quando instado a dizer o que era modernidade, o educador Cristovam Buarque sintetizou de forma admirável o seu pensamento: "Modernidade é botar todas as crianças numa escola de qualidade. E ter os professores com bons salários". Parecia que estava mesmo adivinhando.
Estamos muito esperançosos de que a avaliação da educação brasileira deixe de ser "muito ruim", como afirmaram os renomados mestres Maria Yeda Leite Linhares e Muniz Sodré, para se transformar em "muito boa". Só assim poderemos imaginar um grande e competitivo país.

Arnaldo Niskier, 67, educador, membro da ABL (Academia Brasileira de Letras) e conselheiro do Instituto Metropolitano de Altos Estudos, é autor de "Shach: as Lições de um Sábio" (Edições Consultor). Foi presidente da ABL (1998-99) e secretário estadual de Ciência e Tecnologia (1968-71) e de Educação e Cultura (1979-83) do Rio de Janeiro.


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