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Direitos humanos
Documento do governo erra ao tentar doutrinar a sociedade e insuflar divisões em temas que exigem busca de consenso
IMPRESSIONA a latitude do espectro de temas, planos e
diagnósticos do 3º Programa
Nacional de Direitos Humanos, divulgado há três semanas
pelo governo Lula.
De imediato criticado pelos comandantes militares, que o qualificaram de "insultuoso, agressivo e revanchista", o documento
recebe agora críticas também de
setores da Igreja Católica e de representantes do agronegócio. Isso por propor, além da criação de
uma "comissão nacional da verdade", com o objetivo de examinar as violações de direitos humanos durante a ditadura, a descriminalização do aborto e a "regulamentação" dos mandados de
reintegração de posse -no intuito de proteger invasores de terra.
Temas como o Estatuto do Índio, a taxação de grandes fortunas e os "impactos da nanotecnologia" foram incluídos.
Além disso, uma facção que
não convive bem com a crítica
mais uma vez se aproveita de sua
posição no governo para apregoar o controle da imprensa. A
ideia é "elaborar critérios de
acompanhamento editorial" a
fim de criar um ranking de veículos supostamente comprometidos com a doutrina enunciada no
documento.
É fato que a definição do que
sejam direitos humanos tem conhecido ampliação constante
desde sua votação pela Assembleia Nacional francesa em 1789,
abrangendo, ao longo do século
20, também os direitos sociais e a
proteção de minorias. Seria assim possível arguir que todos os
temas tratados no texto se relacionam, em última instância,
com o título que os encabeça.
Ao reuni-los numa única e ampla carta de intenções, no entanto, o documento avança sobre a
competência de várias áreas do
governo, além do Legislativo e
até do Judiciário. Essa desmedida atropela os trâmites democráticos e dificulta o encaminhamento de discussões específicas.
Se interessa ao governo, por
exemplo, encampar a cabível discussão sobre a descriminalização do aborto, compete-lhe mobilizar sua base e tentar aprovar
um projeto de lei no Congresso.
Agrupadas de forma indistinta,
com apelos vagos à mobilização
de diferentes esferas de governo,
tais iniciativas servem apenas
como uma compensação retórica a grupos de interesse específicos, muitos deles derrotados pelos fatos ou pelas escolhas políticas da administração petista.
Ao mesmo tempo em que cabe
ao governo apresentar com clareza suas opções e usar as vias
políticas adequadas para tentar
aprová-las, não se justifica o uso
oportunista de posições de Estado para ditar programas que, na
sociedade civil, estão longe de
angariar consenso. Como tem sido típico no governo Lula, confunde-se, mais uma vez, a lógica
militante de partidos, sindicatos
e ONGs com a ética da responsabilidade, que deveria prevalecer
no trato da coisa pública.
Revive-se, em microcosmo,
uma das piores tradições do esquerdismo, derrotada no decurso do século passado. Um grupo
diminuto se elege senhor da razão e da história e se julga no direito de impingir suas posições à
população.
Tais investidas terão escassa,
para não dizer nenhuma, consequência prática, e esse não deixa
de ser um indicador de que a sociedade brasileira amadureceu.
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