São Paulo, terça-feira, 10 de fevereiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CARLOS HEITOR CONY

Fausto e Hilda

RIO DE JANEIRO - Morreram, na semana passada, o crítico Fausto Cunha e a escritora Hilda Hilst. Fausto não mereceu, até agora, uma linha na mídia. Para os escritores de minha geração, ele prolongou a constelação de críticos formada por Tristão de Athayde, Álvaro Lins e Augusto Meyer, além de ter sido, nas suas horas vagas, nosso principal cultor da ficção científica, com destaque nos anos 50 e 60.
Andava arredio nos últimos tempos, morando sozinho no Catete, evitando os amigos e, aparentemente, não dando bola para mais nada. Por duas vezes, escrevi sobre ele neste canto de página, cobrando-lhe uma presença que nos fazia falta.
Era franzino, feio, ao contrário de Hilda, que foi em seu tempo uma mulher bonita, inspirando paixões e versos. Em determinado ponto da carreira, os dois decidiram se retirar. Fausto para seu pequeno apartamento na rua Bento Lisboa, de onde só saía para comprar material de limpeza e boca no supermercado mais próximo. Nada mais queria com a vida nem com ele mesmo.
Hilda fez mais barulho. Não a conheci pessoalmente, mas sua grande amiga, Lygia Fagundes Telles, muito me falava dela. Todos sabemos que Hilda reclamava de não ter sido reconhecida pelo grande público, adotou um comportamento estranho e uma literatura radical, mas, no fundo, o que ela mesmo preferia era a companhia de seus cachorros e a liberdade de ser Hilda Hilst, uma Dorothy Parker sem Hollywood e sem a mesa do Algonquin, até mesmo sem amigos, a não ser Lygia, que valia por mil.
Fausto Cunha não reclamava de nada. Hilda reclamou, mas cansou. Produziu bastante e com excelente qualidade nos dois gêneros que abraçou, o romântico e o obsceno. Foi considerada maldita, sendo, ela própria, uma espécie de anjo disfarçado. Um de seus últimos desejos era fundar um bordel geriátrico.
Idéia que mais cedo ou mais tarde alguém retomará. Fausto morreu sem desejos, sem nada. Gostava dos marcianos. Sem saber, talvez tenha sido um deles.


Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: O "Lulão"
Próximo Texto: Roberto Mangabeira Unger: A política do vazio
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.