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CARLOS HEITOR CONY
Fausto e Hilda
RIO DE JANEIRO - Morreram, na semana passada, o crítico Fausto Cunha e a escritora Hilda Hilst. Fausto
não mereceu, até agora, uma linha
na mídia. Para os escritores de minha geração, ele prolongou a constelação de críticos formada por Tristão
de Athayde, Álvaro Lins e Augusto
Meyer, além de ter sido, nas suas horas vagas, nosso principal cultor da
ficção científica, com destaque nos
anos 50 e 60.
Andava arredio nos últimos tempos, morando sozinho no Catete, evitando os amigos e, aparentemente,
não dando bola para mais nada. Por
duas vezes, escrevi sobre ele neste
canto de página, cobrando-lhe uma
presença que nos fazia falta.
Era franzino, feio, ao contrário de
Hilda, que foi em seu tempo uma
mulher bonita, inspirando paixões e
versos. Em determinado ponto da
carreira, os dois decidiram se retirar.
Fausto para seu pequeno apartamento na rua Bento Lisboa, de onde
só saía para comprar material de
limpeza e boca no supermercado
mais próximo. Nada mais queria
com a vida nem com ele mesmo.
Hilda fez mais barulho. Não a conheci pessoalmente, mas sua grande
amiga, Lygia Fagundes Telles, muito
me falava dela. Todos sabemos que
Hilda reclamava de não ter sido reconhecida pelo grande público, adotou
um comportamento estranho e uma
literatura radical, mas, no fundo, o
que ela mesmo preferia era a companhia de seus cachorros e a liberdade
de ser Hilda Hilst, uma Dorothy Parker sem Hollywood e sem a mesa do
Algonquin, até mesmo sem amigos, a
não ser Lygia, que valia por mil.
Fausto Cunha não reclamava de
nada. Hilda reclamou, mas cansou.
Produziu bastante e com excelente
qualidade nos dois gêneros que abraçou, o romântico e o obsceno. Foi
considerada maldita, sendo, ela própria, uma espécie de anjo disfarçado.
Um de seus últimos desejos era fundar um bordel geriátrico.
Idéia que mais cedo ou mais tarde
alguém retomará. Fausto morreu
sem desejos, sem nada. Gostava dos
marcianos. Sem saber, talvez tenha
sido um deles.
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