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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
A política do vazio
Dissipa-se a ilusão de que a
política de dar tudo para a confiança financeira era só tática de transição. Agora sabemos que é para valer.
E que nada será feito para estancar a
transferência maciça de riqueza das
mãos de trabalhadores e produtores
para os bolsos de rentistas.
O governo aposta em crescimento
puxado por exportações e bafejado
por novo ciclo de liquidez na economia mundial. Essa aposta tem tudo
para dar errado. Em primeiro lugar,
porque lhe falta base interna. Que
crescimento sólido pode haver quando a renda popular continua sob o arrocho mais severo e duradouro de
nossa história moderna, quando o juro real permanece superior à taxa média de proveito dos negócios, quando
sacrifício fiscal arrasador paga apenas
metade dos juros da dívida pública interna e quando não se esboça esforço
para equipar, com acesso a crédito, a
tecnologia e a conhecimento, a vitalidade empreendedora que persiste no
Brasil? Em segundo lugar, porque a recuperação econômica é tão frágil que
qualquer trauma externo pode revertê-la. Basta, por exemplo, que o juro
suba nos Estados Unidos e que os homens do dinheiro reavaliem mais essa
efêmera euforia com "mercados
emergentes" para que se instaure a
crise. O presidente, porém, está por
fora; cercado por assessores que lhe
põem na boca versão simplificada de
discurso de estudante latino-americano formado em curso de economia
nos Estados Unidos na década de
1980, ele mistura Herbert Hoover com
Hugo Chávez.
Enquanto isso, alastra-se, em nossa
democracia ainda frágil, um vácuo de
resistência. Neutralizar adversários,
cooptando ou intimidando-os, é a
única especialidade praticada com
afinco no Palácio. A construção de base política balofa e fisiológica, a conseqüente desmoralização de partidos
políticos, a compra bilionária dos favores da mídia, os agrados às Forças
Armadas, o plano em marcha para
amordaçar os procuradores e amedrontar os juízes, a fusão de fundos de
pensão, de bancos públicos e de agências reguladoras em central de negócios político-empresariais -tudo isso
faz com que o governo do PT já haja
chegado aos limites da legitimidade
constitucional. Por isso, o que está em
jogo no Brasil hoje não é mais apenas
o destino dos interesses do trabalho e
da produção, sacrificados no altar de
ideário malogrado em todo o mundo.
O que está em jogo é a integridade da
República.
Não estamos mais no Brasil hoje em
circunstância normal de governo e de
oposição. Encontra-se o país sob o comando de pessoas vazias de idéias,
ávidas de poder e carentes de escrúpulos. Tudo o que é mais característico e
fecundo no Brasil -a começar por
sua capacidade de dar a volta por cima- vem sendo sufocado. As práticas e as instituições republicanas, que
nos asseguram a possibilidade de traduzir em atos a vontade nacional, mudando o rumo do país, estão sendo solapadas.
As correntes políticas que antes governavam o Brasil não têm credibilidade para oferecer aos brasileiros a alternativa por que eles votaram em
2002; é a política delas -repudiada
pelo eleitorado- a que o governo do
PT optou por radicalizar. O primeiro
passo para começar a construir a oposição necessária é reconhecer que ela
ainda não existe. O que pode surpreender é a rapidez com que ela se
imporá se os que a fundarem souberem dar clareza à inconformidade da
nação.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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