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BORIS FAUSTO
Limites e realidades do poder
Decorridos dois meses do governo Lula, uma pergunta não
tem ainda uma resposta clara: qual a
cara do governo, qual sua marca registrada?
Há especulações de toda ordem, enfatizando ora a combinação de ortodoxia financeira com ousadia social,
ora a inexistência de um plano estratégico, ora a disposição de dialogar longamente com a sociedade civil, ora
um pouco disso tudo e outros itens
mais.
Mas uma coisa é certa: Lula e a equipe ministerial proveniente dos quadros do PT vão conhecendo rápida e
incontornavelmente os limites do poder, em contraste com a famosa vontade política. Mais ainda, vão sentindo
o impacto da ação negativa de determinados movimentos sociais que foram aliados históricos do partido.
Fico com dois exemplos. Na área
econômico-financeira, a guinada petista vinha, é verdade, de algum tempo. Porém os constrangimentos de
uma conjuntura difícil levaram o governo Lula, apesar dos sacrifícios implícitos, a estender medidas na linha
da ortodoxia, aumentando o percentual do superávit primário e elevando,
por mais de uma vez, a taxa de juros.
Na área social, o caso da reforma
agrária e das relações com o MST e
movimentos afins é exemplar. Seja para contrabalançar a nomeação de ministros conservadores ou fazer contrapeso à política econômica, seja para
acalmar setores radicais do PT e, por
essa via, tentar apaziguar o MST, seja
enfim por outras razões que nos escapam, o presidente Lula nomeou uma
figura da ala esquerda do partido para
o Ministério do Desenvolvimento
Agrário. Por sua vez, o ministro Miguel Rossetto preencheu os principais
cargos do Incra com nomes afinados
com seus pontos de vista, provenientes do próprio PT, da Pastoral da Terra e de entidades assemelhadas.
Em pura perda. As invasões de terras em vários Estados, a ocupação de
edifícios públicos como ocorreu em
Goiânia e em Cuiabá, envolvendo depredações neste último caso, vão demonstrando ao governo aquilo que as
mentes menos ideologizadas já sabiam havia muito tempo. Um movimento como o MST não está interessado em reformas, com o gradativo
atendimento de justas reivindicações
seculares, mas na multiplicação de
ações diretas, tendo como horizonte a
implantação revolucionária de uma
comunidade de iguais.
Confrontados com essa realidade,
membros da cúpula do governo e do
PT dão sinais de reconsiderar o papel
do MST e afins no âmbito do regime
democrático, ensaiando, por exemplo, um recuo no propósito de rever
medidas do governo Fernando Henrique que impõem sanções aos invasores de terras.
Não é o caso de martelar no contraste petista entre o passado e o presente,
embora seja didática a constatação. É
o caso, sim, de apoiar o rumo atual, no
que tem de positivo, e se manter alerta. Tanto mais que não faltam vozes,
indo muito além do campo da esquerda, insistindo na mudança de rota, sobretudo na área econômico-financeira. Essa mudança não representaria o
novo, mas uma volta ao passado condenada pela experiência histórica.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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