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São Paulo, segunda-feira, 10 de março de 2003

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BORIS FAUSTO

Limites e realidades do poder

Decorridos dois meses do governo Lula, uma pergunta não tem ainda uma resposta clara: qual a cara do governo, qual sua marca registrada?
Há especulações de toda ordem, enfatizando ora a combinação de ortodoxia financeira com ousadia social, ora a inexistência de um plano estratégico, ora a disposição de dialogar longamente com a sociedade civil, ora um pouco disso tudo e outros itens mais.
Mas uma coisa é certa: Lula e a equipe ministerial proveniente dos quadros do PT vão conhecendo rápida e incontornavelmente os limites do poder, em contraste com a famosa vontade política. Mais ainda, vão sentindo o impacto da ação negativa de determinados movimentos sociais que foram aliados históricos do partido.
Fico com dois exemplos. Na área econômico-financeira, a guinada petista vinha, é verdade, de algum tempo. Porém os constrangimentos de uma conjuntura difícil levaram o governo Lula, apesar dos sacrifícios implícitos, a estender medidas na linha da ortodoxia, aumentando o percentual do superávit primário e elevando, por mais de uma vez, a taxa de juros.
Na área social, o caso da reforma agrária e das relações com o MST e movimentos afins é exemplar. Seja para contrabalançar a nomeação de ministros conservadores ou fazer contrapeso à política econômica, seja para acalmar setores radicais do PT e, por essa via, tentar apaziguar o MST, seja enfim por outras razões que nos escapam, o presidente Lula nomeou uma figura da ala esquerda do partido para o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Por sua vez, o ministro Miguel Rossetto preencheu os principais cargos do Incra com nomes afinados com seus pontos de vista, provenientes do próprio PT, da Pastoral da Terra e de entidades assemelhadas.
Em pura perda. As invasões de terras em vários Estados, a ocupação de edifícios públicos como ocorreu em Goiânia e em Cuiabá, envolvendo depredações neste último caso, vão demonstrando ao governo aquilo que as mentes menos ideologizadas já sabiam havia muito tempo. Um movimento como o MST não está interessado em reformas, com o gradativo atendimento de justas reivindicações seculares, mas na multiplicação de ações diretas, tendo como horizonte a implantação revolucionária de uma comunidade de iguais.
Confrontados com essa realidade, membros da cúpula do governo e do PT dão sinais de reconsiderar o papel do MST e afins no âmbito do regime democrático, ensaiando, por exemplo, um recuo no propósito de rever medidas do governo Fernando Henrique que impõem sanções aos invasores de terras.
Não é o caso de martelar no contraste petista entre o passado e o presente, embora seja didática a constatação. É o caso, sim, de apoiar o rumo atual, no que tem de positivo, e se manter alerta. Tanto mais que não faltam vozes, indo muito além do campo da esquerda, insistindo na mudança de rota, sobretudo na área econômico-financeira. Essa mudança não representaria o novo, mas uma volta ao passado condenada pela experiência histórica.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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