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CARLOS HEITOR CONY
O poder do poder
RIO DE JANEIRO - Os Estados Unidos deram dez dias ao Iraque para se desarmar. Foi o máximo de contemporização que o governo de Washington concedeu à opinião pública mundial e, em especial, aos apelos da
França, Alemanha e Rússia. Findo o
prazo, a colossal máquina de guerra
norte-americana, acolitada pela inglesa, entrará em atividade.
Tecnicamente, os entendidos chamam a isso de "ultimato". Na realidade, não é um ultimato, ou seja, o
prazo que uma das duas vontades
contrárias dá à outra antes de iniciar
um confronto.
No caso, a desproporção militar e
econômica entre os contendores anula o conceito de "confronto". Os dez
dias dados a Saddam para se alinhar
à vontade do desafiante cheiram
mais a chantagem. O Iraque terá dez
dias para decidir se paga ou não o
preço exigido pelo adversário que
tem em seu poder o poder de destruí-lo, física e moralmente.
Numa guerra normal (se é que as
guerras podem ser consideradas normais), um dos elementos-chave é o
fator surpresa. Para dar um exemplo
recente: a invasão da Normandia pelos aliados, em 1944, só foi possível
porque os alemães imaginaram até a
última hora que o desembarque das
tropas inimigas seria em Calais e em
data não sabida.
Quando um dos contendores tem a
certeza de que o adversário não tem
como reagir (e essa é a essência de
qualquer chantagem), não há necessidade de ultimato. O mais forte, que
tem em seu poder o poder de destruir
o mais fraco, marca um prazo, um
preço e um local para que a conta seja paga. Caso contrário, o recalcitrante aguentará as consequências.
O poderio militar da aliança Estados Unidos e Inglaterra, com o apoio
comprado de outros países, possivelmente até o da Turquia, caracteriza
um massacre, não uma guerra. É
uma chantagem enfim, e não um ultimato.
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