|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
Foi positiva a visita de George W. Bush ao Brasil?
SIM
O valor material do simbólico
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
VISITAS DE presidentes em geral têm muito mais valor simbólico do que material. A de
Bush ao Brasil ontem não foi diferente. O acordo de cooperação que ele e
Lula assinaram traz pouco de medidas concretas e imediatas.
Mas também é comum que reuniões de cúpula cheguem a decisões
políticas com poder de indicar rumos
novos para as relações entre os países.
A dos presidentes do Brasil e dos EUA
pode ter representado novo ponto de
inflexão no diálogo dessas nações.
Na última década do século 20, o foco do relacionamento entre Brasil e
EUA foi o comércio. Nos primeiros
anos deste século, manteve-se essa
prioridade, ofuscada pelas preocupações mais urgentes sobre segurança.
A partir de agora, o tema da bioenergia tem toda condição de se tornar
o eixo central da convivência binacional. Isso pode ter implicações muito
positivas para o Brasil, embora seja
prudente não se deixar levar pelo entusiasmo ingênuo dos mais exaltados.
Brasil e EUA, que produzem 72%
do etanol do mundo, podem fazer
muito juntos para, com o tempo, ampliar o seu consumo em bases sustentáveis e ambientalmente responsáveis e definir a padronização global
capaz de torná-lo uma commodity.
Esses desdobramentos, se ocorrerem, trarão grandes vantagens ao
Brasil, pioneiro e líder da tecnologia
do setor. Com o sinal verde dado por
seus líderes, nada impede que as equipes de governo das duas nações negociem adequadamente os próximos
passos nessa direção. As empresas
brasileiras e americanas saberão
identificar as oportunidades de investimento e aumento de comércio do
etanol e das técnicas para produzi-lo
na medida em que as condições apropriadas forem se consolidando.
Há muitos riscos nesse processo:
ameaça de devastação florestal no
Brasil, queda exagerada da oferta de
milho nos EUA e exacerbação do sentimento protecionista americano por
receio da possível inundação de etanol brasileiro, entre outros.
Os possíveis efeitos benéficos para
o Brasil da visita de Bush não se limitam aos que o tema dos biocombustíveis, desde que bem administrado,
poderá trazer. Do ponto de vista do
comércio multilateral, também podem advir novidades boas.
O bom entendimento entre Bush e
Lula oferece a oportunidade para os
responsáveis pelo comércio dos dois
países acertarem acordos setoriais
que, concluídos, podem ajudar a destravar a Rodada Doha, absolutamente
vital para a estratégia brasileira de comércio. Ainda há assuntos bilaterais
que começaram a ser tratados ontem
e podem deslanchar com conseqüências favoráveis ao Brasil: acordo de bitributação, ampliação para dez anos
para vistos e outros.
Também do ângulo geopolítico, há
possíveis resultados benignos para o
país. Embora não seja do nosso interesse nacional que Lula assuma o papel -como provavelmente desejaria
Bush- de contrapeso à influência de
Chávez no subcontinente, o fato de os
EUA promoverem a imagem do presidente do Brasil como um líder responsável não deixa de ser vantajoso
para o Brasil no curto e médio prazo.
A viagem de Bush tem óbvias intenções táticas. Não visa apenas conter
Chávez. Também procura emitir sinais para a China, que tem ampliado
ostensivamente seu interesse comercial, militar e político pela América
Latina, região onde Washington não
tem a menor intenção de abrir espaço. E Bush também veio promover a
questão da bioenergia com um olho
no eleitorado americano, claramente
preocupado com o assunto.
O Brasil deve tentar explorar em
seu proveito as circunstâncias que fazem Bush cortejá-lo, por mais que ele
esteja enfraquecido politicamente e
em fim de mandato.
O maior ganho para o país dessa visita será se, com ela, avançar o amadurecimento que se sente já há pelo
menos 20 anos nessa relação bilateral. Se o Brasil definir com clareza o
que deseja obter dela, souber como
sustentar suas posições e se dispuser
a negociar com os EUA à exaustão para fechar acordos em que as duas partes cederão, o país só poderá lucrar.
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA, 54, doutor em comunicação pela ECA-USP, é diretor da Patri Políticas Públicas e membro do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da USP, do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais e do Conselho Editorial da "Revista de Política Externa". Foi diretor-adjunto de Redação da Folha.
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Reinaldo Gonçalves: "Road show"
Índice
|