São Paulo, sábado, 10 de março de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Foi positiva a visita de George W. Bush ao Brasil?

SIM

O valor material do simbólico

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA

VISITAS DE presidentes em geral têm muito mais valor simbólico do que material. A de Bush ao Brasil ontem não foi diferente. O acordo de cooperação que ele e Lula assinaram traz pouco de medidas concretas e imediatas. Mas também é comum que reuniões de cúpula cheguem a decisões políticas com poder de indicar rumos novos para as relações entre os países.
A dos presidentes do Brasil e dos EUA pode ter representado novo ponto de inflexão no diálogo dessas nações.
Na última década do século 20, o foco do relacionamento entre Brasil e EUA foi o comércio. Nos primeiros anos deste século, manteve-se essa prioridade, ofuscada pelas preocupações mais urgentes sobre segurança.
A partir de agora, o tema da bioenergia tem toda condição de se tornar o eixo central da convivência binacional. Isso pode ter implicações muito positivas para o Brasil, embora seja prudente não se deixar levar pelo entusiasmo ingênuo dos mais exaltados.
Brasil e EUA, que produzem 72% do etanol do mundo, podem fazer muito juntos para, com o tempo, ampliar o seu consumo em bases sustentáveis e ambientalmente responsáveis e definir a padronização global capaz de torná-lo uma commodity.
Esses desdobramentos, se ocorrerem, trarão grandes vantagens ao Brasil, pioneiro e líder da tecnologia do setor. Com o sinal verde dado por seus líderes, nada impede que as equipes de governo das duas nações negociem adequadamente os próximos passos nessa direção. As empresas brasileiras e americanas saberão identificar as oportunidades de investimento e aumento de comércio do etanol e das técnicas para produzi-lo na medida em que as condições apropriadas forem se consolidando.
Há muitos riscos nesse processo: ameaça de devastação florestal no Brasil, queda exagerada da oferta de milho nos EUA e exacerbação do sentimento protecionista americano por receio da possível inundação de etanol brasileiro, entre outros.
Os possíveis efeitos benéficos para o Brasil da visita de Bush não se limitam aos que o tema dos biocombustíveis, desde que bem administrado, poderá trazer. Do ponto de vista do comércio multilateral, também podem advir novidades boas.
O bom entendimento entre Bush e Lula oferece a oportunidade para os responsáveis pelo comércio dos dois países acertarem acordos setoriais que, concluídos, podem ajudar a destravar a Rodada Doha, absolutamente vital para a estratégia brasileira de comércio. Ainda há assuntos bilaterais que começaram a ser tratados ontem e podem deslanchar com conseqüências favoráveis ao Brasil: acordo de bitributação, ampliação para dez anos para vistos e outros.
Também do ângulo geopolítico, há possíveis resultados benignos para o país. Embora não seja do nosso interesse nacional que Lula assuma o papel -como provavelmente desejaria Bush- de contrapeso à influência de Chávez no subcontinente, o fato de os EUA promoverem a imagem do presidente do Brasil como um líder responsável não deixa de ser vantajoso para o Brasil no curto e médio prazo.
A viagem de Bush tem óbvias intenções táticas. Não visa apenas conter Chávez. Também procura emitir sinais para a China, que tem ampliado ostensivamente seu interesse comercial, militar e político pela América Latina, região onde Washington não tem a menor intenção de abrir espaço. E Bush também veio promover a questão da bioenergia com um olho no eleitorado americano, claramente preocupado com o assunto.
O Brasil deve tentar explorar em seu proveito as circunstâncias que fazem Bush cortejá-lo, por mais que ele esteja enfraquecido politicamente e em fim de mandato.
O maior ganho para o país dessa visita será se, com ela, avançar o amadurecimento que se sente já há pelo menos 20 anos nessa relação bilateral. Se o Brasil definir com clareza o que deseja obter dela, souber como sustentar suas posições e se dispuser a negociar com os EUA à exaustão para fechar acordos em que as duas partes cederão, o país só poderá lucrar.


CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA, 54, doutor em comunicação pela ECA-USP, é diretor da Patri Políticas Públicas e membro do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da USP, do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais e do Conselho Editorial da "Revista de Política Externa". Foi diretor-adjunto de Redação da Folha.

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