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São Paulo, sábado, 10 de março de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Foi positiva a visita de George W. Bush ao Brasil?

NÃO

"Road show"

REINALDO GONÇALVES

A VISITA de Bush faz parte do "road show" do governo dos EUA que abarca conjunto heterogêneo de países que têm em comum o fato de que seus governantes são confiáveis para Washington. A regra do "road show" é a seguinte: marca-se presença, há afagos e declarações vazias sobre democracia, solidariedade, protecionismo e pobreza; firmam-se acordos genéricos e, geralmente, inconseqüentes sobre cooperação em ciência, tecnologia e cultura; e, por fim, não se firmam compromissos políticos.
No caso de Bush, o foco da visita é de natureza geopolítica. O primeiro fato relevante é que o Brasil ocupa posição secundária ou terciária na agenda de política externa estadunidense.
A docilidade de Lula rebaixa o Brasil na agente externa dos EUA. Há dias o ministro das Relações Exteriores do Brasil disse que "o nosso relacionamento com os Estados Unidos, hoje em dia, é íntimo. Olha, uma coisa é certa, eles nunca nos valorizaram tanto". Isso nos faz lembrar das "relações carnais" de Carlos Menem para explicitar o alinhamento automático da Argentina com os EUA.
Em Washington, Lula é visto como o "pseudocenter-left", "progressive-turned-conservative government", ou seja, um reformista moderado. Portanto, Lula é confiável, da mesma forma que Calderón, do México, e Uribe, da Colômbia, mas precisa de um afago. A visita responde a essa necessidade. Houve desleixo por parte de Washington, mas eles querem que fique muito claro que estão atentos ao que acontece na região.
O segundo fato relevante é que, como resultado do fracasso rotundo do neoliberalismo na América do Sul, as sociedades têm reagido. A palavra de ordem é "mudanças já". Venezuela, Bolívia e Equador são exemplos de países que escolheram a ruptura com o modelo fracassado. Isso começa a ter impacto -destaque para a ascensão do antiamericanismo na região.
A visita de Bush é parte da estratégia de reação dos EUA a esses fatos. Bush sinaliza para governantes confiáveis que o bom comportamento será premiado e que ele está atento ao que acontece na sua zona de influência. Concessões imediatas e relevantes não são feitas em um "road show".
Bush sinaliza com benefícios, mas também mostra o risco de jogar duro. No caso do Brasil, este último se associa à "terra de ninguém" que é a fronteira entre Paraguai e Brasil. Essa fronteira é a vitrine que expõe dois países que são paraísos para o tráfico de drogas e de armas e para a lavagem de dinheiro -inclusive daquele que pode ser usado para financiar as atividades antiamericanas no mundo.
No caso de Lula, o foco da visita é de natureza comercial: é o tema das melhores condições de acesso ao mercado mundial para os produtos agrícolas brasileiros. Há duas dimensões relevantes: multilateral e bilateral. A primeira trata do desbloqueio das negociações no âmbito da OMC; a segunda envolve o acesso do álcool brasileiro ao mercado estadunidense (redução de medida paratarifária).
O fato é que Bush sai do país sem se comprometer. Na primeira, há negociações complexas que envolvem jogadores poderosos, como a União Européia e o Japão. Na segunda, o Congresso dos EUA tem forte influência na política comercial dos EUA e, naturalmente, defende os interesses dos produtores de álcool daquele país.
No caso do Brasil, o açúcar (álcool), a soja e outros produtos primários implicam degradação ambiental e consolidação de estruturas de produção retrógradas. Essas estruturas não geram círculo virtuoso de desenvolvimento. Muito pelo contrário. Mas é nesse processo de expansão das exportações agrícolas que Lula está apostando o futuro do país.
Esse é um erro estratégico crasso, inclusive, porque Lula está aceitando promover, em troca, a maior liberalização (leia-se destruição) da indústria e do setor de serviços. Além do mais, as exportações de álcool expõem o Brasil a medidas antidumping ambiental e social.
Portanto, a estratégia de Lula aumenta a vulnerabilidade externa do país. A visita de Bush é a evidência do erro estratégico da política externa e da falta de rumo e de prumo do Brasil.


REINALDO GONÇALVES, 55, doutor em economia pela University of Reading (Inglaterra), é professor titular de economia internacional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). É autor do livro "Economia Política Internacional", entre outras obras.

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