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TENDÊNCIAS/DEBATES
Foi positiva a visita de George W. Bush ao Brasil?
NÃO
"Road show"
REINALDO GONÇALVES
A VISITA de Bush faz parte do
"road show" do governo dos
EUA que abarca conjunto heterogêneo de países que têm em comum o fato de que seus governantes
são confiáveis para Washington. A regra do "road show" é a seguinte: marca-se presença, há afagos e declarações vazias sobre democracia, solidariedade, protecionismo e pobreza; firmam-se acordos genéricos e, geralmente, inconseqüentes sobre cooperação em ciência, tecnologia e cultura; e, por fim, não se firmam compromissos políticos.
No caso de Bush, o foco da visita é
de natureza geopolítica. O primeiro
fato relevante é que o Brasil ocupa posição secundária ou terciária na agenda de política externa estadunidense.
A docilidade de Lula rebaixa o Brasil
na agente externa dos EUA.
Há dias o ministro das Relações Exteriores do Brasil disse que "o nosso
relacionamento com os Estados Unidos, hoje em dia, é íntimo. Olha, uma
coisa é certa, eles nunca nos valorizaram tanto". Isso nos faz lembrar das
"relações carnais" de Carlos Menem
para explicitar o alinhamento automático da Argentina com os EUA.
Em Washington, Lula é visto como
o "pseudocenter-left", "progressive-turned-conservative government",
ou seja, um reformista moderado.
Portanto, Lula é confiável, da mesma forma que Calderón, do México, e
Uribe, da Colômbia, mas precisa de
um afago. A visita responde a essa necessidade. Houve desleixo por parte
de Washington, mas eles querem que
fique muito claro que estão atentos ao
que acontece na região.
O segundo fato relevante é que, como resultado do fracasso rotundo do
neoliberalismo na América do Sul, as
sociedades têm reagido. A palavra de
ordem é "mudanças já". Venezuela,
Bolívia e Equador são exemplos de
países que escolheram a ruptura com
o modelo fracassado. Isso começa a
ter impacto -destaque para a ascensão do antiamericanismo na região.
A visita de Bush é parte da estratégia de reação dos EUA a esses fatos.
Bush sinaliza para governantes confiáveis que o bom comportamento será premiado e que ele está atento ao
que acontece na sua zona de influência. Concessões imediatas e relevantes não são feitas em um "road show".
Bush sinaliza com benefícios, mas
também mostra o risco de jogar duro.
No caso do Brasil, este último se associa à "terra de ninguém" que é a
fronteira entre Paraguai e Brasil. Essa
fronteira é a vitrine que expõe dois
países que são paraísos para o tráfico
de drogas e de armas e para a lavagem
de dinheiro -inclusive daquele que
pode ser usado para financiar as atividades antiamericanas no mundo.
No caso de Lula, o foco da visita é de
natureza comercial: é o tema das melhores condições de acesso ao mercado mundial para os produtos agrícolas brasileiros. Há duas dimensões relevantes: multilateral e bilateral. A
primeira trata do desbloqueio das negociações no âmbito da OMC; a segunda envolve o acesso do álcool brasileiro ao mercado estadunidense (redução de medida paratarifária).
O fato é que Bush sai do país sem se
comprometer. Na primeira, há negociações complexas que envolvem jogadores poderosos, como a União Européia e o Japão. Na segunda, o Congresso dos EUA tem forte influência
na política comercial dos EUA e, naturalmente, defende os interesses dos
produtores de álcool daquele país.
No caso do Brasil, o açúcar (álcool),
a soja e outros produtos primários
implicam degradação ambiental e
consolidação de estruturas de produção retrógradas. Essas estruturas não
geram círculo virtuoso de desenvolvimento. Muito pelo contrário. Mas é
nesse processo de expansão das exportações agrícolas que Lula está
apostando o futuro do país.
Esse é um erro estratégico crasso,
inclusive, porque Lula está aceitando
promover, em troca, a maior liberalização (leia-se destruição) da indústria e do setor de serviços. Além do
mais, as exportações de álcool expõem o Brasil a medidas antidumping
ambiental e social.
Portanto, a estratégia de Lula aumenta a vulnerabilidade externa do
país. A visita de Bush é a evidência do
erro estratégico da política externa e
da falta de rumo e de prumo do Brasil.
REINALDO GONÇALVES, 55, doutor em economia pela
University of Reading (Inglaterra), é professor titular de
economia internacional da UFRJ (Universidade Federal do
Rio de Janeiro). É autor do livro "Economia Política Internacional", entre outras obras.
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