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SIM
Por um Ministério Público republicano
CARLOS CARDOSO
A Constituição brasileira de
1988 consagrou a maior declaração
de direitos individuais e sociais da história do nosso direito constitucional e um
dos desenhos institucionais mais avançados de Ministério Público do mundo.
Essa combinação fez dele o mais importante agente estatal de defesa da cidadania. A abrangência e a densidade de
conteúdo das suas atribuições projetaram-no como um valioso instrumento a
serviço da promoção e defesa das prerrogativas constitucionais dos cidadãos.
A partir de então, promotores de todo
o país vêm desenvolvendo, de maneira
crescente, a tarefa de transformar em
realidade os objetivos subjacentes àqueles novos marcos constitucionais. Qualquer balanço que se faça vai indicar os
avanços alcançados nessa direção, consubstanciados em notáveis conquistas
proporcionadas ao conjunto da sociedade brasileira pela ação corajosa e independente dos promotores na defesa
do interesse público. Talvez seja esse o
mais importante fato novo ocorrido nos
últimos anos no âmbito das relações
institucionais entre o Estado brasileiro e
a sua população.
Mas essa trajetória tem encontrado
percalços e resistências. Os êxitos obtidos pelas iniciativas dessa instituição
contrariaram interesses econômicos e
políticos de setores das elites brasileiras
que historicamente nunca foram incomodados, disso resultando reações furiosas e ruidosas. É nesse quadro que se
devem interpretar as diversas proposições legislativas tendentes a limitar e
embaraçar as prerrogativas institucionais do Ministério Público.
Os erros e exageros de alguns de seus
membros devem ser coibidos com base
na legislação já existente. De maneira
nenhuma podem justificar propostas
autoritárias, como a "Lei da Mordaça" e
outras que implicariam a redução das
suas atribuições, notadamente no que
diz respeito à luta contra o crime organizado e a corrupção. Nem a ditadura
militar, no auge do seu delírio repressor,
ousou formular tamanhos disparates.
Querem tolher a atuação dos promotores pela suas virtudes, não pelos seus
equívocos.
É nesse contexto que surge a proposta
constitucional de criar o Conselho Nacional do Ministério Público, à semelhança de idêntica proposição voltada
para o Poder Judiciário. Em princípio,
não há razão para temer o controle externo de instituições públicas. Os princípios republicanos que informam a organização do Estado brasileiro recomendam a adoção e o aperfeiçoamento
de mecanismos de fiscalização de todas
as entidades, públicas e privadas, investidas de funções que envolvam o interesse geral da população, isto é, o interesse público. Nesse sentido, justifica-se
a instituição do Conselho Nacional do
Ministério Público, composto inclusive
por representantes de outras instâncias
da sociedade e do Estado.
Entretanto é imprescindível que esse
controle seja exercido sem interferir, em
hipótese nenhuma, na autonomia funcional e administrativa da instituição,
sob pena de se incorrer em manifesta
inconstitucionalidade.
A estrita observância desses limites
implica também afastar qualquer possibilidade de esse novo órgão fiscalizador
determinar, por decisão de seus integrantes, a perda do cargo de um membro do Ministério Público, que, em face
do princípio constitucional da vitaliciedade, importante garantia para a independência institucional, só o pode perder por força de decisão judicial transitada em julgado, prerrogativa igualmente assegurada aos magistrados.
Esse risco, porém, não está totalmente
afastado, pois há no governo federal
quem sustente essa atribuição ao
CNMP. Se esses setores saírem vitoriosos, essa proposta nascerá morta e desmoralizada, quer pela sua indiscutível
inconstitucionalidade, quer pelo viés
totalitário que ela estará denotando.
A sociedade brasileira não tolerará
uma interferência indevida na instituição a que se atribui a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis. Seria o mesmo que abrir a avenida da insegurança jurídica.
Apenas os princípios democráticos e
republicanos devem orientar a formulação de controles fiscalizatórios. Tudo
que é público exige transparência e
prestação de contas. No caso do Ministério Público, esses controles não podem significar um retrocesso para a democracia brasileira, e sim um impulso
estimulador ao seu trabalho profissional, independente, isento e afastado de
quaisquer motivações políticas.
Carlos Cardoso de Oliveira Júnior, 49, promotor de Justiça, é assessor especial de Direitos Humanos da Procuradoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo.
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