|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JOÃO SAYAD
Carequinha
Tropeça e cai sentado no balde
cheio de água. Depois, ao retirar a
escada de cena, atinge em cheio e derruba o mestre de cerimônias. O público ri. É gozado ver as pessoas transformadas em coisas sem personalidade,
status ou sentido, sujeitas apenas à lei
da gravidade como os baldes ,vassouras e escadas na arena do circo.
Já o humor do Casseta e Planeta demole toda autoridade, debocha de
qualquer coisa que se pretenda respeitável ou com a qual não concorde. Humor zangado que se leva excessivamente a sério.
Americanos praticam um humor de
tombos e caretas semelhante aos desenhos animados, evidente e infantil como Jerry Lewis. Ainda que os irmãos
Marx sejam uma mistura genial de
humor destrutivo e falta de lógica.
("Não freqüento nenhum clube que
me aceite como sócio.")
Existe ainda o "humour" dos ingleses -que não leva a sério quase nada.
Nenhum valor é absoluto. Nenhuma
missão, suficientemente importante.
Nenhum sentido exclui outros sentidos. Nenhum fim justifica os meios.
O homem de "humour" se comporta como o ator que, no ápice dramático da peça, dirige-se ao público e fala
como ator e não como personagem.
Sempre mantém distância e desconfia
dos papéis que é chamado a desempenhar. Entende as aflições do adversário, sofre ao impor a sua vitória. São
homens serenos.
Portugueses se levam muito a sério.
Quem compõe fados leva muito a sério as próprias frustrações amorosas e
o abandono. Talvez por isso os brasileiros achem gozado a maneira com
que usam a nossa língua, levando tudo ao pé da letra. Editoriais da imprensa carecem de humor. Estão sempre indignados com coisas bem sérias.
"Profissionais" não têm senso de
"humour". Cumprem a missão que
lhes foi atribuída custe o que custar
-um encanador que desentope, mas
destrói a cozinha. Por isso a guerra é
importante demais para ser deixada
aos generais obcecados com a vitória.
Ou a economia, para os economistas.
Bons presidentes precisam de muito
"humour". Sorriem da liturgia obrigatória do cargo de presidente que janta
com a rainha da Inglaterra. Vêem-se
apenas como atores transitórios para
um personagem que precisa parecer
superior aos homens comuns. JK e
FHC têm senso de humor. Sarney revela o humor na intimidade. O humor
do presidente Lula ainda está sendo
testado.
O Brasil é bem humorado, com exceção do Banco Central. Que cumpre,
no limite do "profissionalismo", a
missão que lhe foi atribuída -combater a inflação. Princípio absoluto
que não leva em conta o desemprego,
a produção, a competitividade das exportações brasileiras, a política ou
qualquer outra coisa.
As "outras coisas" devem ser solucionadas por outros profissionais, pedreiros-mágicos encarregados da tarefa impossível de consertar a destruição causada pelo sucesso do Banco
Central independente.
A única coisa que o humor leva a sério é a procura permanente de algum
sentido que valha a pena. Se não levasse rigorosamente nada a sério, estaria
levando excessivamente a sério a regra
que o define. E cairia em contradição.
Viraria cinismo, o que não tem graça
nenhuma.
João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.
jsayad@attglobal.net
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Traído ou traidor? Próximo Texto: Frases
Índice
|