São Paulo, segunda-feira, 10 de abril de 2006

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JOÃO SAYAD

Carequinha

Tropeça e cai sentado no balde cheio de água. Depois, ao retirar a escada de cena, atinge em cheio e derruba o mestre de cerimônias. O público ri. É gozado ver as pessoas transformadas em coisas sem personalidade, status ou sentido, sujeitas apenas à lei da gravidade como os baldes ,vassouras e escadas na arena do circo.
Já o humor do Casseta e Planeta demole toda autoridade, debocha de qualquer coisa que se pretenda respeitável ou com a qual não concorde. Humor zangado que se leva excessivamente a sério.
Americanos praticam um humor de tombos e caretas semelhante aos desenhos animados, evidente e infantil como Jerry Lewis. Ainda que os irmãos Marx sejam uma mistura genial de humor destrutivo e falta de lógica. ("Não freqüento nenhum clube que me aceite como sócio.")
Existe ainda o "humour" dos ingleses -que não leva a sério quase nada. Nenhum valor é absoluto. Nenhuma missão, suficientemente importante. Nenhum sentido exclui outros sentidos. Nenhum fim justifica os meios.
O homem de "humour" se comporta como o ator que, no ápice dramático da peça, dirige-se ao público e fala como ator e não como personagem. Sempre mantém distância e desconfia dos papéis que é chamado a desempenhar. Entende as aflições do adversário, sofre ao impor a sua vitória. São homens serenos.
Portugueses se levam muito a sério. Quem compõe fados leva muito a sério as próprias frustrações amorosas e o abandono. Talvez por isso os brasileiros achem gozado a maneira com que usam a nossa língua, levando tudo ao pé da letra. Editoriais da imprensa carecem de humor. Estão sempre indignados com coisas bem sérias.
"Profissionais" não têm senso de "humour". Cumprem a missão que lhes foi atribuída custe o que custar -um encanador que desentope, mas destrói a cozinha. Por isso a guerra é importante demais para ser deixada aos generais obcecados com a vitória. Ou a economia, para os economistas.
Bons presidentes precisam de muito "humour". Sorriem da liturgia obrigatória do cargo de presidente que janta com a rainha da Inglaterra. Vêem-se apenas como atores transitórios para um personagem que precisa parecer superior aos homens comuns. JK e FHC têm senso de humor. Sarney revela o humor na intimidade. O humor do presidente Lula ainda está sendo testado.
O Brasil é bem humorado, com exceção do Banco Central. Que cumpre, no limite do "profissionalismo", a missão que lhe foi atribuída -combater a inflação. Princípio absoluto que não leva em conta o desemprego, a produção, a competitividade das exportações brasileiras, a política ou qualquer outra coisa.
As "outras coisas" devem ser solucionadas por outros profissionais, pedreiros-mágicos encarregados da tarefa impossível de consertar a destruição causada pelo sucesso do Banco Central independente.
A única coisa que o humor leva a sério é a procura permanente de algum sentido que valha a pena. Se não levasse rigorosamente nada a sério, estaria levando excessivamente a sério a regra que o define. E cairia em contradição. Viraria cinismo, o que não tem graça nenhuma.


João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.
jsayad@attglobal.net


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