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CARLOS HEITOR CONY
Traído ou traidor?
RIO DE JANEIRO - Nas águas da mais
recente e desvairada ficção pretensamente histórica, a moda é contar a
vida de Cristo de forma diferente,
atribuindo-lhe um casamento que, a
ter sido real, em nada altera sua
mensagem e presença na civilização
ocidental. Agora, decifrado um manuscrito que teria sido um evangelho
segundo Judas, retorna como novidade a versão de que Judas não traiu
seu amigo, pelo contrário, teria sido
seu parceiro na história (ou na lenda) da Redenção da culpa de Adão.
Antes mesmo de Renan, no século
19, já havia a teoria de que Judas teria sido necessário ao mistério que
forma o eixo da religião cristã. Danilo Nunes, creio que nos anos 80, em livro traduzido para o inglês ("Judas,
traidor ou traído?", editora Record),
analisa com farta documentação a
teoria de que Judas, desiludido com a
passividade de Cristo em relação ao
jugo de César, teria tramado a sua
entrega aos romanos. Seria assim um
herói da causa nacional judaica.
Dentro desse raciocínio primário,
Joaquim Silvério dos Reis, ao trair os
inconfidentes mineiros, teria colaborado com a causa da independência
do Brasil, uma vez que naquela ocasião não havia condições objetivas
para a subversão.
O manuscrito que agora foi decifrado já era conhecido em diversas versões. Renan garante que até o século
5 havia mais de 80 evangelhos divergentes, alguns deles redigidos 300
anos após os fatos relatados nos
evangelhos canônicos. O texto agora
revelado é do século 3 e repete, com
pequenas variantes, a versão essênia
de que o cristianismo foi um equívoco religioso de uma luta política.
A tradição nascida nos primeiros
anos de nossa era coloca Judas como
traidor de um homem, ainda que em
nome de uma causa. E foi como traidor que passou à história. Traído em
seus ideais de libertação de seu povo,
ele traiu o homem de quem se fez discípulo. Como sabemos, aproveita-se
a traição mas despreza-se o traidor.
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