São Paulo, segunda-feira, 10 de abril de 2006

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CARLOS HEITOR CONY

Traído ou traidor?

RIO DE JANEIRO - Nas águas da mais recente e desvairada ficção pretensamente histórica, a moda é contar a vida de Cristo de forma diferente, atribuindo-lhe um casamento que, a ter sido real, em nada altera sua mensagem e presença na civilização ocidental. Agora, decifrado um manuscrito que teria sido um evangelho segundo Judas, retorna como novidade a versão de que Judas não traiu seu amigo, pelo contrário, teria sido seu parceiro na história (ou na lenda) da Redenção da culpa de Adão.
Antes mesmo de Renan, no século 19, já havia a teoria de que Judas teria sido necessário ao mistério que forma o eixo da religião cristã. Danilo Nunes, creio que nos anos 80, em livro traduzido para o inglês ("Judas, traidor ou traído?", editora Record), analisa com farta documentação a teoria de que Judas, desiludido com a passividade de Cristo em relação ao jugo de César, teria tramado a sua entrega aos romanos. Seria assim um herói da causa nacional judaica.
Dentro desse raciocínio primário, Joaquim Silvério dos Reis, ao trair os inconfidentes mineiros, teria colaborado com a causa da independência do Brasil, uma vez que naquela ocasião não havia condições objetivas para a subversão.
O manuscrito que agora foi decifrado já era conhecido em diversas versões. Renan garante que até o século 5 havia mais de 80 evangelhos divergentes, alguns deles redigidos 300 anos após os fatos relatados nos evangelhos canônicos. O texto agora revelado é do século 3 e repete, com pequenas variantes, a versão essênia de que o cristianismo foi um equívoco religioso de uma luta política.
A tradição nascida nos primeiros anos de nossa era coloca Judas como traidor de um homem, ainda que em nome de uma causa. E foi como traidor que passou à história. Traído em seus ideais de libertação de seu povo, ele traiu o homem de quem se fez discípulo. Como sabemos, aproveita-se a traição mas despreza-se o traidor.


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