São Paulo, segunda-feira, 10 de maio de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Senso de oportunidade juvenil

MARCIO POCHMANN

O jovem representa uma possível ligação do presente com o futuro de um país. Mas, no Brasil, a juventude vem sendo, lamentavelmente, identificada cada vez mais como um problema.
Talvez por isso uma falsa disjuntiva esteja rodeando o dia-a-dia de cada jovem: a emigração internacional ou a violência da prostituição, do crime e do tráfico de drogas. Em face da ausência da perspectiva de trabalho e renda decente num país que não sabe o que é crescimento econômico sustentado nos últimos 25 anos, cerca de 150 mil jovens deixam anualmente o Brasil em busca de uma oportunidade no exterior.
Em síntese, o Brasil joga literalmente fora parcela importante de sua juventude, seja aquela que abandona o país em busca de novas alternativas, seja aquela obrigada a ter de conviver com a dura realidade da regressão social.
De fato, para quem fica, restam o desespero do desemprego e a subocupação, ou, ainda, as frentes de absorção da economia do crime e de outras atividades ilícitas. Segundo o IBGE, a cada dois desempregados no Brasil, um tem menos de 25 anos de idade, indicando ainda a existência de mais de 4 milhões de jovens que declaram não estudar, não trabalhar e não procurar trabalho. O que estariam a fazer quase 15% do total das pessoas na faixa etária de 15 a 24 anos?
Não obstante a presença desses problemas reais e extremamente preocupantes, a juventude constitui uma das melhores oportunidades históricas que o Brasil possui para restabelecer o diálogo com o futuro, ainda que obstaculizada atualmente pela ausência de um projeto de desenvolvimento nacional.
No mundo moderno, o conhecimento tende a ser cada vez mais o principal valor agregado na construção do desenvolvimento humano e material de uma nação. Sem a elevação urgente e necessária da escolaridade da juventude, o Brasil não restabelece o diálogo com o futuro, mesmo que espasmos de crescimento econômico voltem a ocorrer. É nesse sentido que se deve refletir, posto que somente um de cada dois jovens estuda no país.



Estudar sem trabalhar representa, no Brasil, uma possibilidade quase que exclusiva dos jovens de classes média e alta
Como se sabe, a maior parte dos jovens, sobretudo os de menor renda familiar, chegam à condição de estudante tão-somente quando trabalham. Estudar sem trabalhar representa, no Brasil, uma possibilidade quase que exclusiva dos jovens pertencentes às classes média e alta. De cada dez jovens de famílias com renda média e alta, nove estudam. No caso dos jovens pertencentes a famílias de baixa renda, somente quatro estudam, sendo três fora da série correspondente à faixa etária.
Por isso, torna-se fundamental o país inovar em termos das políticas públicas, introduzindo a oportunidade de o jovem de baixa renda elevar sua escolaridade, mesmo que na condição de desempregado. Ao ter acesso a uma bolsa temporária que substitua a renda do trabalho, o jovem pode postergar o seu (re)ingresso no mercado, preparando-se mais e melhor para ocupar as vagas de trabalho decentes e de maior remuneração.
Sem isso, mesmo numa situação de possível pleno emprego, os jovens filhos de pobres continuariam a ingressar no mercado de trabalho muito cedo e com baixa escolaridade, ocupando as vagas de menor remuneração. Já os jovens filhos de ricos continuariam a ingressar mais tarde, com maior escolaridade, para ocupar os postos de direção e melhor remuneração. Nesses termos, não há possibilidade de romper com o ciclo da desigualdade e da pobreza no Brasil.
Em simultâneo ao benefício de uma garantia temporária de renda, deve caber ao jovem uma capacitação teórica e prática em atividades comunitárias de utilidade coletiva a fim de estimular e fixar valores de solidariedade, protagonismo e pertencimento territorial. A ausência de perspectivas de mobilidade social, aliada à difusão de valores negativos, como individualismo e egoísmo, resulta na explosão da violência no país, uma vez que a participação relativa dos jovens na taxa nacional de homicídios atinge quase 40%.
Em oposição a isso, apresenta-se a perspectiva positiva e inovadora aberta pelo Programa Bolsa-Trabalho na cidade de São Paulo, que, ao atender mais de 50 mil jovens até o momento, valoriza a cidadania pela educação e a igualdade de oportunidade como condição necessária à emancipação social, política e econômica. Ao mesmo tempo em que se garante temporariamente uma complementação de ganho para jovens de baixa renda, há uma convergência do protagonismo solidário e do pertencimento cidadão com a aprendizagem de atividades comunitárias de utilidade coletiva.
Enfim, tudo isso tem contribuído para o avanço da escolaridade, possibilitando melhora do desempenho no ensino e aprendizagem. O que, além de combater o processo de exclusão social, tem possibilitado a redução das taxas de homicídio na cidade, sobretudo nas regiões mais periféricas. Protege-se, assim, a juventude na sua totalidade -não só o seu futuro, como até mesmo sua vida atual.


Marcio Pochmann, 42, economista, professor licenciado do Instituto de Economia da Unicamp, é secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo.




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