São Paulo, segunda-feira, 10 de maio de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Onde mora o desempregado?

CELSO GIGLIO

Está cada vez mais difícil ser prefeito no Brasil. A União concentra cada vez mais recursos, deixando os municípios a ver navios. A descentralização de tarefas -leia-se, jogar cada vez mais e mais responsabilidades nas costas das prefeituras- avança com desenvoltura, para não dizer irresponsabilidade. E os brasileiros, por conta da retração da economia, estão cada vez mais pobres e dependentes do serviço público.
Na prática, os municípios têm cada vez menos dinheiro para fazer cada vez mais tarefas para um número cada vez maior de pessoas. Não é preciso ter um raciocínio muito elaborado para perceber que, em algum momento, chegaremos a um estágio próximo da desestruturação dos governos municipais. Sem que ninguém pareça exatamente muito preocupado com isso.
O Brasil assiste hoje a uma nefasta associação entre taxas recordes de desemprego e empobrecimento acelerado da população. Na região metropolitana de São Paulo, eixo mais dinâmico da economia brasileira, a taxa de desemprego medida pelo Dieese atingiu inéditos 20% em março passado. Em 2003, a renda real dos brasileiros empregados caiu 14% em relação ao ano anterior. Ou seja, tem menos gente trabalhando e quem está trabalhando está ganhando menos.
Em passado recente, parcelas significativas dos trabalhadores brasileiros eram capazes de manter seus filhos em escolas particulares ou arcar com os custos de um plano de saúde privado. Com o desemprego acentuado e a pauperização crescente, essa possibilidade foi sendo transferida para um horizonte cada vez mais longínquo. Resultado: os brasileiros estão precisando, cada vez mais, de serviços públicos. E, no Brasil, "serviços públicos" quer dizer, cada vez mais, serviços municipais. Na educação e na saúde principalmente. Mas também na segurança pública, saneamento, limpeza, habitação etc. Em outras palavras, o desempregado mora é no município e é ali, na sua cidade, bem pertinho do poder público local, que ele exige sua cidadania.



Hoje, prefeito na rua é sinônimo de pedido de emprego. O que encontramos nas cidades são o desalento e a tristeza
Esta Folha mostrou, em oportuna reportagem, que o gasto social no governo Lula diminuiu. É verdade que as despesas com Previdência e assistência aumentaram. Mas os investimentos em educação, organização agrária e saneamento, principalmente, diminuíram. A equação é conhecida: menos recursos com mais demanda é sinal de crise no horizonte.
E quem lida diariamente com a crise são os prefeitos. Na saúde, a maioria dos Estados não investe o que determina a emenda constitucional 29/2000, o que gerou um déficit de R$ 3,4 bilhões de recursos desde o início da vigência da lei. No caso dos municípios, pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde em 2002 indicou que as prefeituras que administram cidades que concentram nada menos do que 90% da população brasileira aplicam o percentual exigido por lei.
Quando se realiza uma pesquisa de opinião pública nos municípios maiores, o ranking de preocupações dos eleitores é quase sempre o mesmo. Desemprego, segurança pública e saúde estão sempre entre os mais citados. O interessante, nessa hierarquia, é que tanto o desemprego -que varia em função de condicionantes nacionais e, às vezes, até mundiais- quanto a segurança pública são áreas que passam longe da esfera de competência dos municípios (embora muitas cidades tenham sua Guarda Municipal).
Hoje, prefeito na rua é sinônimo de pedido de emprego. O que encontramos nas cidades são o desalento e a tristeza. Cada vez mais, o poder público, no nível municipal, passa a ser entendido como fator de resolução de problemas individuais, e não de problemas públicos: um posto de trabalho, a liberação de um terreno para construir um barraco, o perdão de uma dívida de IPTU e assim por diante.
Precisamos parar de adotar o estilo avestruz de conduzir a administração pública no Brasil. Aqui, o entrosamento, a solidariedade e a cooperação entre União, Estado e municípios é mínima, para não dizer inexistente. O dinheiro está longe dos problemas e, onde os problemas realmente existem e afloram, os recursos minguam. Concentram-se verbas em Brasília e serviços públicos nos municípios. A racionalidade fica prejudicada e a gestão, cada vez mais complicada. Quem sai perdendo, como sempre, é o cidadão.

Celso Giglio, 63, médico, é prefeito de Osasco (SP), pelo PSDB, e presidente licenciado da Associação Paulista dos Municípios.


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