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CARLOS HEITOR CONY
Inteligência e piedade
RIO DE JANEIRO - Em conferência pronunciada na semana passada, o
secretário da Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, recebeu duas
violentas manifestações sobre a sua
atuação na vida pública norte-americana.
Ele não foi questionado: foi acusado de ter mentido ao povo norte-americano e ao mundo sobre as armas de destruição em massa que o
Iraque estaria fabricando. Nenhuma
novidade nesse protesto.
A novidade foi a resposta que o secretário da Defesa deu: ele não mentiu. Simplesmente acreditou "piamente" nas informações que os serviços de inteligência dos Estados Unidos haviam fornecido ao governo
Bush.
O "piamente" foi textual. Ele não se
referiu nem a uma ingenuidade pessoal e tampouco a uma tendência de
acreditar no pior por parte dos adversários da política de Washington.
Se o governo Bush é piedoso, e seu
secretário de Defesa é igualmente
piedoso, o mundo tem muito a temer
dos serviços de inteligência dos Estados Unidos, que aparentemente não
estão comprometidos com nenhum
tipo de piedade. Qualquer país fica
na dependência dos agentes da "inteligência" de Washington e, evidentemente, da piedosa crença do governo
norte-americano na qualidade e na
amplidão dessa inteligência.
Difícil imaginar o que piamente os
Estados Unidos farão com o Irã, que
atropelou a inteligência da CIA e do
Pentágono e declarou que está desenvolvendo o seu projeto nuclear de forma independente.
Volta e meia, norte-americanos
manifestam acreditar piamente que
o Brasil seja incapaz de preservar a
floresta amazônica. Ele não constitui
uma potencial ameaça nuclear, mas
um dano considerável à ecologia do
planeta. O mesmo governo que se recusou a assinar o Tratado de Kyoto
preocupa-se piedosamente com as
nossas madeiras e os nossos animais
silvestres.
Se os serviços de inteligência norte-americanos chegarem à conclusão de
que somos um perigo para o mundo,
o governo Bush piamente tomará
providências para salvar a humanidade da ameaça brasileira.
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