São Paulo, quarta-feira, 10 de julho de 2002

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ANTONIO DELFIM NETTO

De FHC a HK

Os políticos são volúveis por definição. Em 1995, o presidente Fernando Henrique dizia que "administrar o Brasil é fácil". Hoje, diz que "dificuldades sempre existem, mas já somos capitães de longo curso em matéria de dificuldades". E prossegue: "Ah, se tudo desse certo, talvez até não tivesse graça!". Com natural acanhamento acrescenta: "Se tudo desse certo, não precisaria de políticos, menos ainda de estadistas..." As afirmações são contraditórias, mas não fazem mal a ninguém. O que pensar, entretanto, de técnicos que, ignorando a sua situação política, dizem, como fez Horst Köhler, diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional, que, "em situações extremas, em que as Bolsas continuem a perder valor, seria um pesadelo que um país emergente como o Brasil ou a Turquia viesse a dar um calote na dívida". E o que fazer com ele quando acrescenta que tudo vai bem porque "a probabilidade de tal pesadelo se transformar em realidade é de apenas 20%"?
Menos modesto que o presidente Fernando Henrique, ele confessa que "Brasil e Turquia são um grande desafio, porque os seus maiores problemas são de natureza política. É difícil para o FMI entendê-los, porque o nosso foco é a economia!". O que se deve perguntar é qual é o significado da afirmação de que o Brasil e a Turquia têm uma probabilidade de 20% de dar o calote? De que extraordinário modelo saiu essa pervertida estimativa de probabilidade? Qual a razão desse ridículo formalismo quantitativo? Como pode ele fundamentar tal "crença"? Essa probabilidade existe ou é apenas uma emanação da sua mente? Que ligação tem ela com o mundo real?
De onde vem, afinal, tal preocupação com o calote? Ficamos sabendo, na entrevista que ele concedeu ao "Financial Times", que o FMI está muito preocupado com uma rápida desvalorização do dólar, o que poderia produzir uma fuga de capitais dos EUA e desestabilizar todas as economias do planeta. Uma das consequências desse fato seria a desaparição do crédito para as economias emergentes, em particular para o Brasil e para a Turquia, que, assim, iriam à glória...
O fato curioso é que Horst Köhler jura sobre a Bíblia que as duas economias "vão bem" e têm sido administradas magistralmente, mas podem sofrer as consequências de um movimento desordenado do dólar americano. Somos quase levados a acreditar que, se os EUA não tivessem uma política econômica tão ruim, o que permitiu a sobrevalorização do dólar, o mundo estaria a salvo. Brasil e Turquia estão sob a ameaça de uma probabilidade de 20% de decretar o calote devido à irresponsabilidade do Tesouro americano!
O fantástico na declaração do diretor-gerente é que ele, em princípio, é contra a intervenção no mercado de câmbio, mas, "se o dólar se desvalorizar rapidamente, não intervir não seria a resposta correta". Todos sabem que, mais dia, menos dia, a taxa de câmbio dos EUA será submetida a um processo de ajuste, porque os portfólios dos investidores têm um limite para absorver os dólares americanos, o que determina o limite de financiamento de seus déficits em conta corrente. Parece que a hora está chegando, e não há nada que o FMI possa fazer...


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br



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