São Paulo, quarta-feira, 10 de julho de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

O dólar estressado

RIO DE JANEIRO - Nunca entendi a linguagem dos economistas e dos peritos financeiros. Não é uma restrição que faço à classe, uma vez que também não entendo outras coisas, de maneira que a culpa não deve ser deles, mas minha.
Mesmo assim, fiquei cismado quando li, na semana passada, que o dólar estava "estressado". Bolas, pelo tipo de ofício que pratico, eu já deveria estar habituado a licenças poéticas, a metáforas, a todas as figuras e figurações que a arte ou a necessidade de escrever permitem e até louvam como engenhosas.
Não é de hoje que tenho birra especial e inexplicável contra a palavra ""estresse", assim mesmo, já devidamente aportuguesada e abonada pelo Aurélio e pelo Houaiss.
Ela invadiu o coloquial do nosso tempo. Ninguém mais diz que ficou chateado, cansado, neurótico ou insuportável. Afinal, tais e tantas classificações têm alguma coisa de pejorativo, de vergonhoso, enquanto o estressado parece ser uma categoria especial, modernosa, um acidente científico, uma manifestação cultural.
Tudo bem. Compreendo que o político massacrado por acusações de improbidade fique estressado, que o guarda de trânsito após 12 horas no cruzamento da avenida Rio Branco com a Presidente Vargas fique estressado, que estressado fique o operário após apertar 53.697 parafusos na esteira de produção de sua fábrica.
Mas o dólar? Sendo leigo em economia e ignorante em tudo o mais, acho que o dólar é que estressa os outros, não apenas as outras moedas que circulam pelo mundo mas todos nós, que dependemos dele para viajar e para comprar gasolina, charutos cubanos e outros apetrechos que nos ajudam a ficar menos estressados.
Desconfio que eu deva ler com mais atenção os cadernos de economia e as notícias referentes à economia mundial. Um pai de família, estressado devido a dois anos sem emprego, matou a mulher e a prole. O dólar estressado poderá fazer estrago igual.


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