São Paulo, quarta-feira, 10 de julho de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Crédito de confiança

CARLOS EDUARDO MOREIRA FERREIRA

Nas últimas semanas, a economia brasileira vem apresentando fortes turbulências. O dólar disparou, o risco Brasil subiu e as taxas de juros do mercado futuro aumentaram. Esse conjunto de más notícias tem ensejado especulações sobre uma inquestionável deterioração na saúde econômico-financeira do país. Antes de avaliações apressadas, feitas no calor de números frios, convém questionar primeiro se há razões objetivas para a mudança nos indicadores.
Nos últimos meses, houve pouca ou nenhuma alteração nos fundamentos econômicos que justifique uma alteração radical na avaliação da economia brasileira. O desempenho fiscal continua apontando para um superávit primário acima da meta fiscal para o ano -inclusive, a CPMF foi aprovada sem interrupção-, o saldo comercial melhorou, o financiamento do balanço de pagamentos para este ano está equacionado e a trajetória de inflação medida pelos preços livres está em queda.
Ademais, se o ritmo de recuperação da atividade não é tão expressivo, espera-se que a economia apresente em 2002 um crescimento semelhante ao registrado no ano passado.
Ou seja, a situação do Brasil está muito distante daquela de alguns países em dificuldades extremas; alguns inclusive com interrupção dos pagamentos de seus compromissos externos. Fosse de outra forma, o fluxo de investimento direto, o capital de risco, que ingressou no país nos últimos anos, não teria se mantido em patamares expressivos como ocorre. Para este ano, a previsão é de cerca de US$ 18 bilhões em investimentos diretos estrangeiros.
Para ter uma idéia do que pensam aqueles que investem no setor produtivo, lembro recente declaração do presidente da BDI, a Confederação das Indústrias da Alemanha, Michel Rogowski, durante o Encontro Econômico Brasil-Alemanha, em Hamburgo: "A situação do Brasil é estável e a confiança no país continua, pois as reformas econômicas estão sendo encaminhadas".
A Alemanha é hoje o motor da economia da União Européia e os interesses de seus empresários no Brasil são muitos, abrangendo da área farmacêutica ao setor automotivo. Esses empresários, que representam a banda saudável do capital internacional, entendem que os fundamentos da nossa economia estão corretos e que o país é viável. Como possuem aqui plantas industriais, geram empregos e participam do nosso desenvolvimento, conhecem o Brasil real, aquele que certos analistas de Wall Street teimam em ignorar.


Há receios quanto à postura fiscal em um novo governo, comprometendo a trajetória da dívida pública


Wall Street vê apenas o Brasil das pesquisas eleitorais. É uma visão míope. O fato de este ou aquele candidato estar liderando pesquisas de opinião não revela antecipadamente o resultado de uma eleição marcada para daqui a três meses. A posição dos que investem na especulação tem ensejado hipóteses sobre uma eventual mudança de rumo na política econômica do país. Em especial, há receios quanto à postura fiscal em um novo governo, comprometendo a trajetória da dívida pública.
O problema de ajuste técnico nos fundos de investimento, que exacerbou as turbulências no início de junho, com certeza teria implicações menores em um quadro sem a tensão pré-eleitorial atual. A reação dos agentes à mudança de critério apenas explicitou os receios do mercado quanto ao risco de carregamento dos títulos públicos e de estes eventualmente não serem honrados em um novo governo. Esta é a razão da demanda do mercado por títulos de prazos menores, comprometendo o trabalho de alongamento do perfil da dívida pública.
O exemplo dos alemães, que nos dão um crédito de confiança e apostam num Brasil melhor, mostra que eles têm a exata dimensão do nosso país. Não só do ponto de vista da nossa economia, como também da consolidação da nossa democracia, pilar da estabilidade.
Seja qual for o eleito em outubro, ele terá de respeitar a Constituição, cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal e respeitar os contratos. Os investidores alemães estão ensinando aos especuladores, esses verdadeiros corsários da globalização, que, no Brasil, a lei e a democracia estão acima dos eventuais governantes.


Carlos Eduardo Moreira Ferreira, 62, advogado, deputado federal (PFL-SP), é presidente da Confederação Nacional da Indústria. Foi presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).



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