![]() São Paulo, quarta-feira, 10 de julho de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Prezada democracia
FREI BETTO
Com o fim do regime militar, a senhora voltou à cena, timidamente, ainda refém dos mesmos políticos que se locupletaram com a ditadura. Tancredo Neves morreu à porta de sua casa e, nos braços de Sarney, a senhora experimentou a vertigem inflacionária, favorecendo a sua queda na Casa da Dinda. Para salvá-la, foi preciso que o povo ocupasse as ruas, resgatando-a de quem pretendia, em seu nome, transformar a coisa pública num negócio privado. Veio o governo Itamar Franco, que criou o real, moeda que, no bolso da maioria, continua virtual. E fez a cama para FHC, eleito duas vezes pela aliança dos mesmos partidos tolerados pela ditadura militar, embora acobertados em siglas diferentes. Assim, os interesses das elites ficaram assegurados, salvos das turbulências conjunturais, enquanto o Brasil se tornou campeão mundial de desigualdade social, ao lado de Serra Leoa, e passou a ocupar o 69º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano. Basta dizer que, oito anos depois, 51,9% dos trabalhadores brasileiros ganham, por mês, no máximo dois salários mínimos. E um terço dos brasileiros com mais de dez anos de idade é analfabeto funcional, pois não logrou completar quatro anos de estudos. Agora, em pleno ano eleitoral, querem de novo conspurcá-la, pois os donos do poder, tão bem estudados por Raimundo Faoro, não admitem que a senhora tenha plena vigência em nosso país. Todos podem vencer as eleições, exceto quem não está de acordo com o atual modelo econômico, financeiramente concentrador e socialmente excludente. Daí o terrorismo monetário, as pressões dos especuladores, a declaração arrogante do senhor Soros, para quem os brasileiros votam, mas quem decide é o "Império", disposto a desestabilizar o país caso Lula seja eleito. Ora, prezada democracia, o que andam fazendo com a senhora? Então sua presença entre nós é mero jogo de cena? O que foi feito em oito anos é tão frágil, a ponto de não suportar a sua vigência em nossa vida política? Dos que se gabam de estarem comprometidos com a senhora, quem, de fato, admite a alternância de poder no Brasil? Os que fazem terrorismo eleitoral em seu nome confessam que a temem, pois se acostumaram a governar o povo, jamais com o povo. Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, 57, frade dominicano, é escritor e assessor de movimentos pastorais e sociais. É autor, entre outras obras, do romance "Entre Todos os Homens" (Ática). Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Carlos Eduardo Moreira Ferreira: Crédito de confiança Próximo Texto: Painel do Leitor Índice |
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