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NÃO
Evolução responsável
JOSÉ SARNEY FILHO
No campo dos OGMs, o Brasil, hoje, vive um duplo dilema: é possível assegurar o progresso científico e
tecnológico sem pôr em risco a saúde da
população e o meio ambiente? Na perspectiva constitucional e moral, seria justificável estabelecer regimes jurídicos de
exceção em favor de poderosos segmentos econômicos, contrariando procedimentos aplicáveis à generalidade
dos brasileiros?
A resposta a essas questões indicará
não só o modelo de ordem jurídica democrática que queremos para o país,
como também o grau de respeito aos
valores, objetivos e princípios estabelecidos na nossa Constituição, em especial o tratamento isonômico a situações
iguais ou similares.
Já de início, quero ressaltar que o Partido Verde não é, por uma simples questão de cego dogmatismo principiológico, contra os transgênicos. Nossa preocupação é de outra ordem: opomo-nos
à posição de alguns atores econômicos,
e até governamentais, que vêem, nas determinações constitucionais, regras que
valem para uns, mas não para outros.
Da padaria ao posto de gasolina, do
aterro sanitário à rodovia, da fábrica de
alimentos ou medicamentos às incorporações imobiliárias, de todos se espera o cumprimento da legislação de proteção do meio ambiente e do consumidor, inclusive no que se refere ao adequado licenciamento por órgão ambiental competente. Obrigações que incidem sobre qualquer atividade econômica, mas que não seriam aplicáveis aos
OGMs. Aqui, diz-se, os riscos ambientais devem ser previamente identificados pela CTNBio!
Não devemos esquecer que, no Brasil,
o critério adotado na escolha do órgão
responsável pelo licenciamento de uma
atividade em absoluto não é se lhe cabe
regular ou não regular a atividade em
questão, mas, sim, se integra o Sisnama
(Sistema Nacional de Meio Ambiente).
A ser diferente, como justificar, então,
não dar ao Ministério da Saúde, o maior
especialista em riscos sanitários, o poder de identificar riscos ambientais em
empreendimentos e atividades por ele
disciplinados ou controlados? Por que
negar ao Ministério dos Transportes,
conhecedor como ninguém das repercussões de toda ordem da abertura de
vias, a possibilidade de fazer o mesmo
com rodovias, hidrovias e aeroportos?
A concentração do licenciamento ambiental em um órgão integrante do Sisnama visa, numa palavra, conferir independência, transparência e credibilidade ao processo de avaliação dos riscos
ambientais. Excepcionar essa regra,
adotada no Brasil pelo menos desde
1981, é, além de desnecessário e injustificável, abrir um precedente que certamente não se esgotará com os OGMs.
Este, não custa lembrar, ainda é o país
onde o provisório vira definitivo, o excepcional transfigura-se no ordinário.
Isonomia constitucional, valorização
dos órgãos ambientais e reconhecimento do princípio da precaução. Este o
compromisso que orientou a Câmara
dos Deputados ao aprovar, com o apoio
do Partido Verde, a Lei de Biossegurança, agora sob apreciação do Senado.
Fruto de ampla e exaustiva negociação
entre os deputados, governo federal e
Estados, representantes empresariais e
ONGs, equilibrado, o texto busca compatibilizar a necessidade do desenvolvimento econômico e tecnológico com o
respeito à Constituição. Não dificulta,
nem muito menos inviabiliza, a produção e comercialização de transgênicos.
Tampouco impõe moratória ou outro
tipo de restrição peremptória aos transgênicos, como defendiam alguns. Simplesmente exige aquilo que se espera de
qualquer atividade ou empreendimento econômico: licenciamento ambiental, por órgão integrante do Sisnama.
Nossas politicas públicas, principalmente em área estratégica como a dos
transgênicos, não podem ser erigidas
sobre as bases impróprias do casuísmo
e da visão acanhada de curto prazo. Não
queremos que o Brasil volte a ser o país
da ordem constitucional simbólica ou
mutável ao sabor dos ventos do autoritarismo econômico, onde os direitos
são para poucos e as obrigações, inclusive a de respeitar o devido processo ambiental, aplicam-se aos que não têm voz
nem poder. A boa pesquisa científica e o
avanço tecnológico não demandam privilégios nem postulam aberrações jurídicas, com o fito de protegê-los das regras que disciplinam a vida dos outros
cidadãos.
Antes de ser um salto no escuro do injusto, do inconstitucional e do desprezo
às gerações futuras, nossa Lei de Biossegurança deve chamar a atenção como
um modelo que garanta previsibilidade
jurídica e isonomia, ambas condições
básicas da ordem jurídica do Estado democrático e condicionantes do progresso da ciência. Só assim a manifestação
do Congresso receberá o respeito da sociedade, pacificará os litígios judiciais e
permitirá o fortalecimento da tecnologia nacional, para orgulho e benefício
dos brasileiros, os de hoje e os de amanhã. Será pedir demasiado?
José Sarney Filho, 47, advogado, deputado federal pelo PV-MA, é o líder do partido na Câmara
dos Deputados. Foi ministro do Meio Ambiente
(governo Fernando Henrique).
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