São Paulo, Sábado, 10 de Julho de 1999
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Romaria das Águas

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Está sendo preparada, para o final do mês de agosto, a 4ª Romaria das Águas em Minas Gerais. Expressa o anseio dos que lutam pela vida diante, especialmente, da ameaça das barragens e da poluição das águas.
Realizaram-se já três romarias com o mesmo objetivo, a primeira a 25/10/96, à margem do rio São Francisco, em Manga, norte de Minas. Compareceram 8.000 romeiros. Invocaram Nossa Senhora e são Francisco, em defesa da vida. A segunda deu-se à margem do rio Piracicaba, em Nova Era, vale do Aço, a 29/9/97, com a participação de 5.000 romeiros insistindo no clamor por justiça. A última, no ano passado, a 30/8/98, teve lugar no vale do Jequitinhonha, rogando a Deus: "Escutai o nosso grito pela vida". Cresceu o número de romeiros para 15 mil pessoas.
A próxima concentração, a 22/8, está marcada para o vale do Piranga. Será na cidade de Ponte Nova. O cartaz é muito sugestivo e mostra um sítio plantado, onde se vêem trabalhadores, árvores e animais, com os dizeres: "Este sonho não pode ser inundado". Com efeito, a apreensão maior é a de futuras barragens. Na região do vale do rio Doce e arredores, estão em estudo 15 projetos de barragens, que poderão deslocar mais de 2.000 famílias.
Nos últimos anos formaram-se grupos que se reúnem várias vezes por semana para discutir seus problemas e apresentar suas reflexões:
1) A água e a terra são dons de Deus a todos destinados e que não devem faltar. Deus quer a vida do povo.
2) É necessário zelar pela conservação do meio ambiente e denunciar as causas da agressão contra as águas e a terra, como o uso demasiado de agrotóxicos e a poluição dos rios, com detritos perniciosos. Muito se deve apoiar a iniciativa de vários municípios, montando usinas de reciclagem de lixo e os esforços para evitar incêndios e destruição das matas.
3) Em relação às barragens, o que mais aparece nas discussões é o justo apego à própria terra, à casa onde os filhos cresceram, às árvores e aos pomares plantados. Os lugares estão repletos de recordação. Imaginemos o que significa possuir uma casa e de repente ser obrigado a deixar tudo e recomeçar a vida em outro lugar. Existe razão suficiente para tanto sacrifício? Esse sofrimento tem acarretado tristeza, desespero e até mortes.
4) Há indenizações que foram justas. Mas, infelizmente, muitos proprietários não só preferiam continuar onde estavam, mas ficaram prejudicados na avaliação de suas terras e plantações. O mais sério é a separação das famílias, a perda da vizinhança e de amizade.
Hoje vão surgindo organizações populares nas áreas atingidas por barragens. Isso permite que as pessoas contribuam com o próprio discernimento para obter -de modo pacífico- o melhor uso da terra e das águas e a preservação da natureza.
A 4ª Romaria será um momento forte em favor da vida e da esperança. O desenvolvimento do país requer, além dos critérios de maior produção, a coragem de conceder prioridade a tudo que promove a dignidade da pessoa, da família e dos direitos que daí decorrem.
Mais uma vez, a solução dependerá não da ganância, mas da vivência da fraternidade entre os filhos de Deus.


D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.


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