São Paulo, Sábado, 10 de Julho de 1999
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O processo de reforma do Estado brasileiro caminha na direção certa?

SIM
Além da visão circunstancial

CLÁUDIA COSTIN

A reforma do Estado promovida pelo governo federal está, sim, no rumo certo, e acredito que só a menção a seu objetivo final já bastaria para justificar essa afirmativa: garantir ao cidadão brasileiro respeito e serviços públicos eficientes e de qualidade. Para avaliar os avanços conseguidos até o momento, é preciso, antes de tudo, que se olhe além das preocupações circunstanciais, legítimas, mas sanáveis (como os transtornos temporários na rede de telefonia), para perceber a dimensão dos benefícios que começam a advir do processo de modernização do Estado.
Passos concretos já foram dados nessa direção. Entre eles, o novo modelo de gestão empreendedora, traçado para acabar com a praxe brasileira de serviços públicos em geral desleixados e alheios aos interesses do usuário -reflexo de um modelo de Estado historicamente estruturado sobretudo como empregador, em vez de prestador de serviços, e que por isso não se preocupava com o estabelecimento de metas e a cobrança de seu cumprimento.
O plano de ação posto em prática pelo ministro Pedro Parente, do Orçamento e Gestão, tende a mudar radicalmente esse quadro. Todo o plano plurianual (e, portanto, todo o Orçamento federal) está sendo adequado a programas com objetivos e indicadores de resultados claramente definidos e com um gerente responsável por isso em cada um deles, o que permite cobrar metas e medir o que cada servidor agrega de valor aos projetos, em nome da eficiência, da melhoria da qualidade, da racionalidade dos gastos públicos e da profissionalização do servidor, rompendo a relação de tutela que o Estado tradicionalmente manteve com ele.
Outro passo decisivo é a retomada do Programa Nacional de Desburocratização, ao mesmo tempo em que se implanta uma legislação de proteção ao usuário dos serviços públicos. Nesse terreno, o governo de São Paulo foi pioneiro ao instituir, recentemente, o Sistema de Defesa do Usuário de Serviços Públicos, dotado de mecanismos que garantem ao cidadão "direito à informação, à qualidade e ao controle adequado do serviço público".
Há ainda, sem dúvida, um longo caminho a percorrer. Que não se esperem resultados estrondosos a curtíssimo prazo num processo que esbarra, muitas vezes, na resistência de interesses contrariados, dentro de uma cultura de comportamentos consagrados na área pública brasileira desde sempre. Para citar um exemplo, a Inglaterra vem promovendo a reforma do Estado já faz 15 anos e ainda não a concluiu. Como aqui, lá também o primeiro-ministro Tony Blair tem apontado como empecilho maior questões culturais, como a ausência de metas concretas e de oportunidades de aprimoramento profissional nas carreiras públicas.
A modernização exige desempenho como critério principal. Para isso, é fundamental treinar, motivar e remunerar de acordo com os padrões de mercado, como já está acontecendo nas carreiras que criamos no serviço público para atender a funções especializadas antes desguarnecidas, nos quadros médicos do INSS, na área de fiscalização do Ministério da Agricultura e no comércio exterior. Na Receita, já está em vigor o sistema de remuneração variável conforme o desempenho. Sem dizer que toda admissão no serviço público só se faz agora mediante concurso e para poucas vagas, o que possibilita constante oxigenação dos quadros.
Tenho reiterado que seria injusto culpar os funcionários pelo medíocre padrão de qualidade do serviço público no Brasil. É que simplesmente nunca lhes ofereceram motivação adequada nem lhes colocaram objetivos profissionais -situação que estamos procurando inverter ao investir pesadamente na qualificação desses quadros. Nos últimos quatro anos, treinamos 390 mil dos 509 mil funcionários federais, muitos deles mais de uma vez. Simultaneamente, está em curso o projeto Formar, para dar capacitação e abrir a possibilidade de crescimento profissional a mais de 50 mil servidores federais analfabetos ou semi-alfabetizados.
Fica claro -e a sociedade começa a se dar conta disso- que aumento da produtividade, e não aumento de gastos, é o caminho para aperfeiçoar o serviço público no Brasil, mediante o estabelecimento de programas de metas e de avaliação de resultados, tendo em mente o atendimento de qualidade ao cidadão. Esse é um dos pontos capitais da reforma do Estado.


Cláudia Costin, 43, mestre em economia pela Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas (SP), é secretária de Estado da Administração e do Patrimônio do Ministério do Orçamento e Gestão.



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