São Paulo, sábado, 10 de agosto de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O governo fez bem em fechar acordo com o FMI?

SIM

Tudo e nada a comemorar

JOSÉ CARLOS DE SOUZA BRAGA

Foi o "Wall Street Journal" que informou acerca das pressões exercidas pelos bancos americanos sobre o governo Bush para a aprovação do resgate do Brasil pelo FMI. Os financistas mostraram que uma crise cambial no Brasil desencadearia prejuízos e ampliaria o "risco sistêmico", com ameaça de recessão mundial e de maior desvalorização de riquezas. O governo Bush teve de recuar da absurda posição de não apoiar os refinanciamentos para economias latino-americanas.
As pressões dos banqueiros atestam a gravidade da situação internacional. Em 2002, os problemas da economia dos Estados Unidos determinam a incerteza mundial. Há um quadro de sobreinvestimento produtivo que tem ocasionado declínio de novos investimentos e, assim, reduzido o crescimento do PIB. Um mergulho mais acentuado tem sido evitado pelo consumo e pelos gastos governamentais, sobretudo militares. Com isso, as perspectivas de expansão dos lucros das empresas não são favoráveis. Mais grave: a confiança na fidedignidade das informações foi abalada pelas fraudes contábeis.
A euforia financeira com a valorização das ações em Bolsas de Valores foi longe demais, se comparada à evolução dos lucros operacionais que a sustentariam. Entre março de 2000 e junho de 2002, estima-se que as Bolsas americanas registraram perdas da ordem de US$ 5,4 trilhões. Na atual conjuntura, permanece incógnito o impacto dessa desvalorização de riqueza financeira sobre as decisões vinculadas à economia "real" em termos de consumo e de investimento.
Nesse processo, os bancos, na empolgação competitivo-lucrativa, financiaram investimentos que geraram sobrecapacidade produtiva, assim como financiaram a aquisição de ativos financeiros em hipervalorização, dentre os quais as ações. Agora, num quadro de desaceleração e desvalorização, o equilíbrio patrimonial dos próprios bancos fica questionado e pode criar restrições creditícias agravantes.
A alta finança americana, percebendo os desequilíbrios, pede ao Banco Central americano que reduza as taxas de juros para 1%. As economias européia e japonesa, com performance de baixo crescimento, não têm compensado a desaceleração americana nem a incerteza econômica mundial.
Em situações como essa, inerentes às flutuações das economias capitalistas, estarão recorrentemente sob ameaça de crise os países que não possuem moedas conversíveis internacionalmente, que apresentam balanço de pagamentos com elevados déficits em conta corrente (balança comercial e de serviços), que detêm dívidas externas expressivas. Suas economias ficam sujeitas às restrições creditícias, à fuga de capitais, à especulação cambial.
Nesse ponto, vão aos organismos multilaterais, como o FMI, e "salve-se quem puder" das condicionalidades. O Brasil, nesse sentido, não tem o que comemorar. Entre 1998 e 2002, foi duas vezes ao FMI e nem a verdadeira estabilidade monetária nem o crescimento foram viabilizados.
Então, o que se tem para comemorar? No curto prazo, o país foi salvo do desastre que seria a queda abrupta da atividade econômica, elevação do desemprego, restrições externas e internas de crédito, juros mais altos, descontrole da dívida pública, reservas internacionais cadentes, conduzindo à crise cambial e à inflação promovida pela alta do dólar.
Isso mostra que o governo brasileiro tinha poucas alternativas, em razão da extrema dependência de financiamentos externos. A conjuntura internacional promoveu entre os investidores um aumento da aversão ao risco dos países altamente endividados. Os créditos internacionais ao Brasil começaram a sumir. O governo teve de ir ao FMI e reconhecer, na prática, que o país estava novamente às portas de uma crise cambial.
Os leitores sabem que, em 1998, os organismos internacionais emprestaram ao país US$ 41 bilhões num período eleitoral. Agora, havia o risco de a economia entrar em colapso antes das eleições e desencadear problemas político-institucionais. As oposições políticas mais importantes não podiam recusar apoio e tentaram influir, diminuindo as amarras do FMI sobre o futuro.
Comemora-se o tempo ganho para continuar a experiência democrática das eleições, evitar maiores problemas socioeconômicos imediatos e tentar mudar a política econômica, a partir de 2003, em busca da estabilidade, da redução da vulnerabilidade externa e do desenvolvimento.


José Carlos de Souza Braga, 54, professor do Instituto de Economia e diretor do Centro de Estudos de Relações Econômicas Internacionais da Unicamp, é pesquisador sênior da Fundap. Foi secretário de Abastecimento e Preços do Ministério da Fazenda (1986-87).



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