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TENDÊNCIAS/DEBATES
O governo fez bem em fechar acordo com o FMI?
SIM
Tudo e nada a comemorar
JOSÉ CARLOS DE SOUZA BRAGA
Foi o "Wall Street Journal" que informou acerca das pressões exercidas pelos bancos americanos sobre o
governo Bush para a aprovação do resgate do Brasil pelo FMI. Os financistas
mostraram que uma crise cambial no
Brasil desencadearia prejuízos e ampliaria o "risco sistêmico", com ameaça
de recessão mundial e de maior desvalorização de riquezas. O governo Bush
teve de recuar da absurda posição de
não apoiar os refinanciamentos para
economias latino-americanas.
As pressões dos banqueiros atestam a
gravidade da situação internacional.
Em 2002, os problemas da economia
dos Estados Unidos determinam a incerteza mundial. Há um quadro de sobreinvestimento produtivo que tem
ocasionado declínio de novos investimentos e, assim, reduzido o crescimento do PIB. Um mergulho mais acentuado tem sido evitado pelo consumo e pelos gastos governamentais, sobretudo
militares. Com isso, as perspectivas de
expansão dos lucros das empresas não
são favoráveis. Mais grave: a confiança
na fidedignidade das informações foi
abalada pelas fraudes contábeis.
A euforia financeira com a valorização das ações em Bolsas de Valores foi
longe demais, se comparada à evolução
dos lucros operacionais que a sustentariam. Entre março de 2000 e junho de
2002, estima-se que as Bolsas americanas registraram perdas da ordem de
US$ 5,4 trilhões. Na atual conjuntura,
permanece incógnito o impacto dessa
desvalorização de riqueza financeira sobre as decisões vinculadas à economia
"real" em termos de consumo e de investimento.
Nesse processo, os bancos, na empolgação competitivo-lucrativa, financiaram investimentos que geraram sobrecapacidade produtiva, assim como financiaram a aquisição de ativos financeiros em hipervalorização, dentre os
quais as ações. Agora, num quadro de
desaceleração e desvalorização, o equilíbrio patrimonial dos próprios bancos
fica questionado e pode criar restrições
creditícias agravantes.
A alta finança americana, percebendo
os desequilíbrios, pede ao Banco Central americano que reduza as taxas de
juros para 1%. As economias européia e
japonesa, com performance de baixo
crescimento, não têm compensado a
desaceleração americana nem a incerteza econômica mundial.
Em situações como essa, inerentes às
flutuações das economias capitalistas,
estarão recorrentemente sob ameaça de
crise os países que não possuem moedas conversíveis internacionalmente,
que apresentam balanço de pagamentos com elevados déficits em conta corrente (balança comercial e de serviços),
que detêm dívidas externas expressivas.
Suas economias ficam sujeitas às restrições creditícias, à fuga de capitais, à especulação cambial.
Nesse ponto, vão aos organismos
multilaterais, como o FMI, e "salve-se
quem puder" das condicionalidades. O
Brasil, nesse sentido, não tem o que comemorar. Entre 1998 e 2002, foi duas
vezes ao FMI e nem a verdadeira estabilidade monetária nem o crescimento foram viabilizados.
Então, o que se tem para comemorar?
No curto prazo, o país foi salvo do desastre que seria a queda abrupta da atividade econômica, elevação do desemprego, restrições externas e internas de
crédito, juros mais altos, descontrole da
dívida pública, reservas internacionais
cadentes, conduzindo à crise cambial e
à inflação promovida pela alta do dólar.
Isso mostra que o governo brasileiro
tinha poucas alternativas, em razão da
extrema dependência de financiamentos externos. A conjuntura internacional promoveu entre os investidores um
aumento da aversão ao risco dos países
altamente endividados. Os créditos internacionais ao Brasil começaram a sumir. O governo teve de ir ao FMI e reconhecer, na prática, que o país estava novamente às portas de uma crise cambial.
Os leitores sabem que, em 1998, os organismos internacionais emprestaram
ao país US$ 41 bilhões num período
eleitoral. Agora, havia o risco de a economia entrar em colapso antes das eleições e desencadear problemas político-institucionais. As oposições políticas
mais importantes não podiam recusar
apoio e tentaram influir, diminuindo as
amarras do FMI sobre o futuro.
Comemora-se o tempo ganho para
continuar a experiência democrática
das eleições, evitar maiores problemas
socioeconômicos imediatos e tentar
mudar a política econômica, a partir de
2003, em busca da estabilidade, da redução da vulnerabilidade externa e do desenvolvimento.
José Carlos de Souza Braga, 54, professor do
Instituto de Economia e diretor do Centro de Estudos de Relações Econômicas Internacionais da
Unicamp, é pesquisador sênior da Fundap. Foi
secretário de Abastecimento e Preços do Ministério da Fazenda (1986-87).
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