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TENDÊNCIAS/DEBATES
O governo fez bem em fechar acordo com o FMI?
NÃO
Incompetência
REINALDO GONÇALVES
O último acordo com o FMI é mais
um componente da herança trágica do governo FHC. O acordo é prejudicial e desnecessário.
Segundo os defensores do acordo, a linha de crédito do FMI ajudaria a transição para o próximo governo e seria uma
estratégia preventiva, pois afetaria favoravelmente o "humor" dos agentes internacionais. Isso é um erro crasso, pois,
simplesmente, o acordo com o FMI significa o reconhecimento de que o Brasil
está mergulhado em uma profunda crise cambial. O dinheiro do FMI, em vez
de melhorar, só piora as expectativas,
visto que FMI significa UTI.
O acordo não ajudará o próximo governo. Em 2003, qualquer governo que
resolver tomar recursos do FMI terá esse direito, pois o país é quotista do Fundo. Além disso, o novo governo terá
melhores condições de fazer um acordo
mais favorável do que aquele feito por
FHC. Não podemos esquecer a conhecida síndrome do "lame duck" (ou, "canard boiteux", como diria FHC).
Isto é, todo governo, e particularmente os medíocres (como é o caso deste),
tende a experimentar uma forte perda
de credibilidade nos últimos meses do
mandato. É exatamente o que está
acontecendo atualmente. Ou será que o
candidato governista tem mais do que
reles 11% das intenções de voto? O recomendável é que FHC não deixasse nenhum compromisso que pudesse servir
de base para um eventual acordo do futuro governo.
O acordo com o FMI é prejudicial porque não reduz a turbulência no mercado cambial. A experiência de dezembro
de 1998 e janeiro de 1999 mostrou exatamente o contrário. E que não venham
me dizer que o problema era o regime
cambial. Na carta de compromisso de
1999, colocou-se a culpa no fato de a taxa de juros ter permanecido "baixa".
Como a taxa de juros (ainda) não se alterou com o atual acordo -a expectativa era de que ela se elevasse-, os agentes econômicos têm a forte percepção
de que a meta inflacionária é lorota e de
que FHC está usando a política monetária para fins eleitorais. O mercado vai
cobrar a fatura.
O acordo não estimulará a entrada de
recursos externos. O uso dos haveres
externos do Banco Central fará com que
o dinheiro do FMI "saia pelo ralo". O
acordo provoca um menor esforço das
empresas e bancos brasileiros no sentido de captação de recursos externos. Isto é, o uso das reservas internacionais
desestimula a entrada e incentiva a saída de dólares. Na medida em que as reservas forem se reduzindo, as expectativas de desvalorização cambial se deteriorarão e, portanto, acelerarão as saídas de capital.
A redução do piso das reservas internacionais aumenta as incertezas. Isso
ocorre porque, simplesmente, há o cenário que prevê chegarmos em novembro com reservas zero. Nesse caso, a redução do piso dá grau de liberdade para
o governo deixar os "cofres vazios".
Há alternativa para o acordo com o
FMI? A resposta é sim. Nesse período de
"baile da ilha fiscal", o objetivo central
deve ser resguardar o nível das reservas
internacionais. Como fazer isso? Simplesmente deixando o mercado operar
livremente. O processo de "zeragem" de
mercado faria com que a taxa de câmbio
subisse, na ausência de intervenções do
Banco Central.
Haveria duas consequências imediatas. A primeira é que a inflação aumentaria. No atual contexto recessivo, ela
certamente não explodiria. Muito provavelmente, repetiria a inflação de 1999.
Dos males o menor. Podemos chegar
em 2003 com inflação de dois dígitos,
mas jamais sem reservas. Esta última hipótese significa altíssimo risco de crise
institucional.
Outra consequência da livre flutuação
seria o crescimento extraordinário da
dívida interna, tendo em vista o estoque
de títulos públicos com correção cambial. Mas isso já está contemplado nos
cenários de curto prazo. O ideal seria
que o atual governo convertesse, imediatamente, todos os instrumentos de
dívida pública com correção cambial
em instrumentos com correção pós-fixada em moeda nacional.
Em setembro de 2000 houve um plebiscito, no qual mais de 5,6 milhões de
pessoas (95% dos votantes) foram contra o acordo com o FMI. Como FHC, o
pior presidente da história do Brasil nos
últimos cem anos, não está preocupado
com a "voz do povo", cabe às forças políticas organizadas se prepararem para
o "cenário Argentina". Neste país, o povo está na rua rejeitando o FMI, cujos
inúmeros acordos com os governos argentinos contribuíram para gerar uma
gravíssima crise institucional.
Reinaldo Gonçalves, 51, é professor titular de
economia internacional da UFRJ e economista da
Divisão de Questões Monetárias e Financeiras Internacionais da ONU.
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