São Paulo, sábado, 10 de agosto de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O governo fez bem em fechar acordo com o FMI?

NÃO

Incompetência

REINALDO GONÇALVES

O último acordo com o FMI é mais um componente da herança trágica do governo FHC. O acordo é prejudicial e desnecessário.
Segundo os defensores do acordo, a linha de crédito do FMI ajudaria a transição para o próximo governo e seria uma estratégia preventiva, pois afetaria favoravelmente o "humor" dos agentes internacionais. Isso é um erro crasso, pois, simplesmente, o acordo com o FMI significa o reconhecimento de que o Brasil está mergulhado em uma profunda crise cambial. O dinheiro do FMI, em vez de melhorar, só piora as expectativas, visto que FMI significa UTI.
O acordo não ajudará o próximo governo. Em 2003, qualquer governo que resolver tomar recursos do FMI terá esse direito, pois o país é quotista do Fundo. Além disso, o novo governo terá melhores condições de fazer um acordo mais favorável do que aquele feito por FHC. Não podemos esquecer a conhecida síndrome do "lame duck" (ou, "canard boiteux", como diria FHC).
Isto é, todo governo, e particularmente os medíocres (como é o caso deste), tende a experimentar uma forte perda de credibilidade nos últimos meses do mandato. É exatamente o que está acontecendo atualmente. Ou será que o candidato governista tem mais do que reles 11% das intenções de voto? O recomendável é que FHC não deixasse nenhum compromisso que pudesse servir de base para um eventual acordo do futuro governo.
O acordo com o FMI é prejudicial porque não reduz a turbulência no mercado cambial. A experiência de dezembro de 1998 e janeiro de 1999 mostrou exatamente o contrário. E que não venham me dizer que o problema era o regime cambial. Na carta de compromisso de 1999, colocou-se a culpa no fato de a taxa de juros ter permanecido "baixa". Como a taxa de juros (ainda) não se alterou com o atual acordo -a expectativa era de que ela se elevasse-, os agentes econômicos têm a forte percepção de que a meta inflacionária é lorota e de que FHC está usando a política monetária para fins eleitorais. O mercado vai cobrar a fatura.
O acordo não estimulará a entrada de recursos externos. O uso dos haveres externos do Banco Central fará com que o dinheiro do FMI "saia pelo ralo". O acordo provoca um menor esforço das empresas e bancos brasileiros no sentido de captação de recursos externos. Isto é, o uso das reservas internacionais desestimula a entrada e incentiva a saída de dólares. Na medida em que as reservas forem se reduzindo, as expectativas de desvalorização cambial se deteriorarão e, portanto, acelerarão as saídas de capital.
A redução do piso das reservas internacionais aumenta as incertezas. Isso ocorre porque, simplesmente, há o cenário que prevê chegarmos em novembro com reservas zero. Nesse caso, a redução do piso dá grau de liberdade para o governo deixar os "cofres vazios".
Há alternativa para o acordo com o FMI? A resposta é sim. Nesse período de "baile da ilha fiscal", o objetivo central deve ser resguardar o nível das reservas internacionais. Como fazer isso? Simplesmente deixando o mercado operar livremente. O processo de "zeragem" de mercado faria com que a taxa de câmbio subisse, na ausência de intervenções do Banco Central.
Haveria duas consequências imediatas. A primeira é que a inflação aumentaria. No atual contexto recessivo, ela certamente não explodiria. Muito provavelmente, repetiria a inflação de 1999. Dos males o menor. Podemos chegar em 2003 com inflação de dois dígitos, mas jamais sem reservas. Esta última hipótese significa altíssimo risco de crise institucional.
Outra consequência da livre flutuação seria o crescimento extraordinário da dívida interna, tendo em vista o estoque de títulos públicos com correção cambial. Mas isso já está contemplado nos cenários de curto prazo. O ideal seria que o atual governo convertesse, imediatamente, todos os instrumentos de dívida pública com correção cambial em instrumentos com correção pós-fixada em moeda nacional.
Em setembro de 2000 houve um plebiscito, no qual mais de 5,6 milhões de pessoas (95% dos votantes) foram contra o acordo com o FMI. Como FHC, o pior presidente da história do Brasil nos últimos cem anos, não está preocupado com a "voz do povo", cabe às forças políticas organizadas se prepararem para o "cenário Argentina". Neste país, o povo está na rua rejeitando o FMI, cujos inúmeros acordos com os governos argentinos contribuíram para gerar uma gravíssima crise institucional.


Reinaldo Gonçalves, 51, é professor titular de economia internacional da UFRJ e economista da Divisão de Questões Monetárias e Financeiras Internacionais da ONU.



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