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CARLOS HEITOR CONY
Carteirinha do partido
RIO DE JANEIRO - Uma senhora do interior paulista, de 86 anos, nascida
na Polônia e vinda para o Brasil no
final dos anos 40, escreveu-me uma
carta na qual anexou uma foto de
seu pulso, em que havia um número
gravado. O detalhe pode lembrar coisa de cinema, há milhões de filmes
em que aparecem sobreviventes de
campos de concentração do nazismo,
todos têm, em alguma parte do corpo, um código gravado, acho que a
fogo.
Ela pergunta se é mesmo verdade
que estão exigindo a carteirinha do
partido que ocupa o poder para separar os cidadãos bons dos maus, os
úteis dos inúteis. Diz ela, para ficarmos no terreno do cinema, que "já
viu esse filme".
Ainda não chegamos a esse ponto
-e acredito que não atingiremos o
estágio de barbárie que a Europa viveu durante o nazismo. Não faz o gênero do povo brasileiro -com as exceções de praxe. Mas ela tem lido nos
jornais a exigência da lealdade partidária por parte do PT, "o lado" de
que falou o líder do partido na semana passada, que está sendo cobrado
pelos que pretendem participar do espetáculo de desenvolvimento prometido pelo presidente da República.
Admito que seria um exagero comparar a militância do PT com a militância dos nazistas da Alemanha hitlerista. Mas a busca da pureza partidária (ou ideológica) pode levar a extremos que terminam, mais cedo ou
mais tarde, na carteirinha do partido. Não apenas o ministro tem de
pertencer à base aliada -o que seria
lógico- mas o motorista do subsecretário da prefeitura de Quixadá
precisa provar que pertence ao povo
eleito.
Quando um grupo de pessoas, mesmo bem-intencionadas, deslancha
um processo de pureza racial, religiosa ou partidária, nunca se sabe onde
as coisas vão parar. Como gosta de
dizer o presidente da República, Deus
não deverá permitir que isso aconteça no Brasil.
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