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São Paulo, quarta-feira, 10 de setembro de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

Carteirinha do partido

RIO DE JANEIRO - Uma senhora do interior paulista, de 86 anos, nascida na Polônia e vinda para o Brasil no final dos anos 40, escreveu-me uma carta na qual anexou uma foto de seu pulso, em que havia um número gravado. O detalhe pode lembrar coisa de cinema, há milhões de filmes em que aparecem sobreviventes de campos de concentração do nazismo, todos têm, em alguma parte do corpo, um código gravado, acho que a fogo.
Ela pergunta se é mesmo verdade que estão exigindo a carteirinha do partido que ocupa o poder para separar os cidadãos bons dos maus, os úteis dos inúteis. Diz ela, para ficarmos no terreno do cinema, que "já viu esse filme".
Ainda não chegamos a esse ponto -e acredito que não atingiremos o estágio de barbárie que a Europa viveu durante o nazismo. Não faz o gênero do povo brasileiro -com as exceções de praxe. Mas ela tem lido nos jornais a exigência da lealdade partidária por parte do PT, "o lado" de que falou o líder do partido na semana passada, que está sendo cobrado pelos que pretendem participar do espetáculo de desenvolvimento prometido pelo presidente da República.
Admito que seria um exagero comparar a militância do PT com a militância dos nazistas da Alemanha hitlerista. Mas a busca da pureza partidária (ou ideológica) pode levar a extremos que terminam, mais cedo ou mais tarde, na carteirinha do partido. Não apenas o ministro tem de pertencer à base aliada -o que seria lógico- mas o motorista do subsecretário da prefeitura de Quixadá precisa provar que pertence ao povo eleito.
Quando um grupo de pessoas, mesmo bem-intencionadas, deslancha um processo de pureza racial, religiosa ou partidária, nunca se sabe onde as coisas vão parar. Como gosta de dizer o presidente da República, Deus não deverá permitir que isso aconteça no Brasil.


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