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São Paulo, quarta-feira, 10 de setembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Inovação tecnológica e Estado

ROBERTO NICOLSKY

Uma notícia recente mostra como, nos países desenvolvidos, o Estado é indutor indispensável à geração de inovações tecnológicas nas indústrias, assegurando competitividade à economia, exportações e empregos.
Diz a notícia ("Jornal do Brasil", 25/ 7/03) que o Ministério da Indústria do Canadá concedeu subsídio à Bombardier, concorrente da Embraer em jatos regionais, no valor de US$ 888 milhões. E esse subsídio está de acordo com as normas da OMC, não possibilitando acionar retaliação.


Uma das maiores inverdades aqui difundidas é que as indústrias brasileiras não investem em tecnologia


Que subsídio é esse? Segundo o site da OMC, vemos que esse "non-actionable subsidy" é para pesquisa industrial ("industrial research") e cobre dispêndios com pesquisa e desenvolvimento (P&D), inclusive recursos humanos, instrumentos, equipamentos, terrenos e construções, sempre que destinados a esse fim, bem como licenciamento de tecnologias e patentes, podendo alcançar até 75% do dispêndio total. Portanto a Bombardier aplicará pelo menos US$ 296 milhões de recursos próprios.
Trata-se de recursos não reembolsáveis, uma participação do Estado canadense no risco de P&D da indústria, para torná-la mais competitiva em relação à Embraer, que tem sido bem-sucedida na competição internacional. O risco de sucesso em um programa de P&D é o principal obstáculo ao investimento. O Estado canadense está defendendo, com o subsídio, exportações e empregos canadenses e o seu efeito multiplicador na economia.
Por que a OMC admite tal subsídio? Porque essa é a prática dos países desenvolvidos e donos das tecnologias. Foi defendendo a competitividade das suas indústrias que ficaram e se mantêm ricos. E os países que se tornaram ricos recentemente, como o Japão, ou os que estão se tornando, como Coréia, usam o mesmo processo. O subsídio do Estado, como uma parceria no risco de P&D, viabiliza o investimento, estratégico para a sociedade.
Na Coréia, a parcela pública de subsídios e incentivos foi, em 1970, 97% do dispêndio em geração de inovações tecnológicas, tornando os produtos competitivos e levando o país ao início do crescimento a uma taxa de 8% ao ano, que segue até hoje. Em 2001, a parcela pública ainda era de 21% de um montante que já alcançava US$ 11,3 bilhões.
E a nossa Embraer? Em seu balanço de 2002, publicado em março, o investimento em P&D foi de US$ 277 milhões, 25% mais do que o próprio lucro. Nos últimos três anos, o dispêndio acumulado em P&D alcançou US$ 786 milhões, 10% das exportações no período, com recursos próprios e risco exclusivo, sem subsídio. Foi essencial para manter uma tecnologia competitiva e, assim, elevar as exportações e gerar empregos diretos que somam, desde 1995, mais de 8.000 postos, altamente qualificados, sendo 11% em nível superior, afora os indiretos, o que causou uma mudança qualitativa em São José dos Campos. Mas agora o seu concorrente terá condições muito mais favoráveis para competir.
Qual a situação das demais indústrias brasileiras que inovam a própria tecnologia e, por isso, têm atuação dinâmica e autônoma no cenário mundial? As que têm tido sucesso, como Romi, Embraco, Weg, Smar, Stieletronica e outras, arriscam-se sozinhas, sem nenhum subsídio, na dura sustentação da competitividade para assegurarem parcelas do mercado mundial, ajudando o nosso balanço de pagamentos, defendendo e aumentando os empregos no país. Das malsucedidas em seu P&D não se fala mais, porque fecharam ou foram compradas por multinacionais.
Uma das maiores inverdades aqui difundidas é que as indústrias brasileiras não investem em tecnologia. Na verdade, esse dispêndio já é de mais de US$ 3 bilhões anuais e cresceu 15 vezes nos últimos dez anos, com a globalização. Por falta de políticas públicas de parceria no risco de sucesso de P&D, como fazem os outros, esse valor é aplicado no licenciamento de patentes e tecnologias do exterior, o que minimiza riscos, tempo e investimentos, mas amplia a nossa dependência tecnológica e é uma das nossas contribuições generosas para os países ricos crescerem um pouco mais.
Isso ainda não é tudo. Em 2001, a lei 10.168 (alterada pela 10.332, de 2002), criou uma Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) que onera em 10% os licenciamentos de patentes e tecnologias do exterior, a pretexto de gerar recursos para fomentar as inovações tecnológicas no país. Os recursos, porém, que formam alguns dos fundos setoriais, são usados para outros fins e não são repassados às indústrias para o fomento dos seus projetos de gerar inovações tecnológicas de produtos e processos.
Ora, se não subsidia, como nos países desenvolvidos, o nosso Estado deveria, pelo menos, não onerar o esforço de inovar. Num país de industrialização tardia, como o nosso, o papel indutor do Estado e a sua parceria no risco de P&D de inovações são essenciais. E essa é uma decisão estratégica para o crescimento sustentado. Está na hora de definirmos onde queremos chegar.

Roberto Nicolsky, 65, físico, professor da UFRJ, é diretor-geral da Protec (Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica).


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